Rogerio da Costa: Isaac Newton: física, metafísica e positivismo
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"Dizer-nos que todas as espécies de
coisas são dotadas de uma qualidade oculta específica pela qual elas
agem e produzem efeitos é não dizer nada. Mas derivar dos fenômenos dois
ou três princípios gerais do movimento e depois dizer-nos como as
propriedades e ações de todas as coisas corpóreas seguem-se daqueles
princípios manifestos, seria um grande passo em filosofia, embora as
causas de tais princípios não fossem ainda descobertas." (tradução
minha)
ISAAC NEWTON, Opticks, p. 377
Na
passagem acima citada Isaac Newton resume seus objetivos em filosofia
natural. Para ele, cuja mentalidade era precipuamente empiricista, o
importante é encontrar no comportamento manifesto observado das
grandezas físicas uma série limitada de princípios e, a partir deles,
derivar logicamente conseqüências e predições que estejam de acordo com o
comportamento de todos os corpos.
Essa
metodologia não implica nenhuma afirmação ou postulação daquilo que
Newton chamou de "hipóteses", ou seja, afirmações sobre qualidades
ocultas ou mecânicas que não sejam rigorosamente derivadas dos
fenômenos, do que é manifesto.
Segundo Newton, ainda em Opticks, mesmo
os princípios por ele postulados como massa, gravidade e coesão, devem
ser considerados não como qualidades ocultas dos corpos, mas como
qualidades manifestas à observação cujas causas últimas não podem ser
descobertas.
O
historiador e filósofo da ciência E. A. Burtt afirma que "para Newton,
então, a ciência era composta de leis afirmando somente o comportamento
matemático da natureza - leis claramente deduzidas dos fenômenos e
verificáveis exatamente nos fenômenos - tudo o que vai além disso deve
ser expulso da ciência, a qual se torna um corpo de verdades
absolutamente certas sobre os acontecimentos do mundo físico."
"Hypotheses non fingo", afirmava
o gênio britânico. Esse seria o espírito "positivista" da ciência
newtoniana. Mas como Burtt adverte, aquele que pretende expulsar de sua
ciência todos os traços de explicação metafísica, aceita, sem o
perceber, um corpo de crenças bem determinado que permeia seus
raciocínios e permanece não-criticado.
E
esse é o grande perigo. Esse corpo de crenças e pressuposições afirmado
inconscientemente passa para a posteridade como parte essencial da
doutrina de um cientista e se beneficia dos méritos preditivos
apresentados pelas teorias deste. Em outras palavras, o sucesso prático
das teorias acaba passando como uma confirmação empírica da metafísica
implicada na teoria.
É
exatamente o que acontece quando se afirma que, uma vez que a física
matemática alcança incomparáveis êxitos preditivos e práticos, então
todo o mundo físico deve se reduzir ao movimento mecânico dos corpos.
Que
isso é uma falácia é fácil de perceber quando alguém se dá conta de que
a forma de uma metodologia considerar o real, o ângulo pelo qual ela o
enxerga, por mais frutífero em termos práticos que seja, não implica uma
redução do real às entidades que a metodologia comporta.
Além
disso, nenhuma conclusão ou predição pode confirmar a veracidade das
suas premissas. Ao contrário, são estas que garantem a verdade daquelas.
Inverter essa relação é cair inapelavelmente numa inferência ilógica.
Voltando
a Newton, apesar de suas declarações, ele mesmo sustentou consciente ou
inconscientemente uma série bem vasta de asserções metafísicas. Em
primeiro lugar, como ensina Burtt, Newton admitiu no corpo de suas
teorias a metafísica corrente no seu tempo.
Ele
aceitou as teses de Galileu e Descartes sobre a constituição
matemático-geométrica do mundo físico e sua conseqüente rejeição de
qualquer aspecto qualitativo. O sucesso preditivo da física newtoniana
acabou se tornando, para seus sucessores, a confirmação indireta dessa
metafísica.
Em
segundo lugar, Newton tomou as exigências de seu método como exigências
do real. O mundo físico seria formado somente por corpos de
propriedades matemático-geométricas, nas quais ele incluía a massa.
E
por último, seus interesses de cristão devoto o levaram a admitir a
constante intervenção divina no mecanismo do mundo e o conduziram a
especulações acerca da natureza do espaço como o sensorium divino.
É
interessante notar também que os conceitos de espaço e tempo absolutos
implicam a admissão de um tempo e de um espaço totalmente diferentes e
separados dos fenômenos percebidos cotidianamente. Ou seja, o espaço
absoluto, o tempo absoluto e o movimento absoluto são completamente
inverificáveis a partir dos fenômenos relativos.
Alexandre
Koyré ensinava que o positivismo é somente um recuo inicial e
provisório que é ultrapassado cedo ou tarde pelos cientistas. Se as
coisas são como Koyré sustenta, então mais do que julgar o sucesso
prático de uma teoria, deve-se analisar seus pressupostos metafísicos
explícitos e implícitos.