Martin Heidegger: A sentença nietzschiana "Deus está morto"
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Heidegger, Martin. A sentença nietzschiana "Deus está morto". Nat. hum. v.5 n.2 São Paulo dez. 2003
O seguinte esclarecimento procura indicar o ponto a partir do qual, talvez, possa vir a ser colocada um dia a pergunta pela essência do niilismo. O esclarecimento provém de um pensamento que começa pela primeira vez a ganhar nitidez quanto à posição fundamental de Nietzsche no interior da história da metafísica ocidental. O aceno evidencia um estágio da metafísica ocidental que é supostamente o seu estágio final, uma vez que outras possibilidades não se fazem mais visíveis. A metafísica é de certa maneira despojada de sua própria possibilidade essencial por Nietzsche. À metafísica não resta, em meio à inversão empreendida por Nietzsche, senão a conversão em sua inessência. O supra-sensível transforma-se em um produto sem subsistência do sensível. Este renega porém a própria essência com essa degradação de seu contraposto. A destituição do supra-sensível afasta também o meramente sensível, e, com isso, a diferença entre ambos. A destituição do supra-sensível desemboca em um nem-nem em relação à distinção entre sensível (aÆsqhtog) e supra-sensível (nohton). A destituição termina no sem-sentido. Ela permanece, contudo, a pressuposição impensada e insuperável das tentativas cegas de escapar do sem-sentido através de uma simples dotação de sentido.
A metafísica é pensada a seguir por toda parte como a verdade do ente enquanto tal na totalidade, não como a doutrina de um pensador. Este tem respectivamente a sua posição filosófica fundamental no interior da metafísica. A metafísica pode ser por isso denominada junto com o seu nome. Segunda a essência aqui pensada da metafísica, isso não diz contudo, de modo algum, que a respectiva metafísica seja a realização e a propriedade do pensador enquanto uma pessoa no âmbito público da criação cultural. Em toda e qualquer fase da metafísica torna-se visível, a cada vez, um pedaço do caminho que o destino do ser conquista para si em rompantes epocais da verdade sobre o ente. Nietzsche mesmo interpreta metafisicamente o curso da história ocidental; e o interpreta enquanto o surgimento e o desdobramento do niilismo. O acompanhamento atento da metafísica nietzschiana transforma-se em uma meditação acerca da conjuntura e do lugar do homem atual, que ainda permanecem diminutamente experimentado em relação à sua verdade. Toda meditação desse tipo lança-se, porém, caso não se mantenha apenas um relatório que se repete de modo vazio, para além do que fornece o horizonte de vigência da meditação. O lançar-se para além não é, sem mais, um sobrepujar ou quiçá um exceder, nem tampouco como que um superar. O fato de meditarmos sobre a metafísica nietzschiana não significa que consideramos agora, ao lado de sua ética e de sua teoria do conhecimento e de sua estética, também e antes de tudo, a metafísica, mas sim que tentamos levar Nietzsche a sério enquanto pensador. Para Nietzsche, entretanto, pensar também diz: representar o ente enquanto o ente. Todo pensamento metafísico é onto-logia ou não é absolutamente nada. (...)