Mercado é coisa da sua cabeça

Diego Viana, Valor Economico, 9/12/2011

O vocabulário dos economistas começa a ganhar novos termos, na tentativa de explicar as flutuações dos mercados e o comportamento dos investidores. Oxitocina e testosterona, mesencéfalo e córtex frontal orbital, palavras recorrentes na linguagem dos neurocientistas, começam a circular entre um grupo de pesquisadores ainda pequeno, mas em expansão: os neuroeconomistas.


A neuroeconomia é um ramo da economia comportamental que vai além dos experimentos psicológicos, como os que valeram ao psicólogo israelense Daniel Kahneman o prêmio Nobel de Economia em 2002. Os pesquisadores desse ramo mergulham no próprio funcionamento do cérebro humano, armados de um aparelho que ocupa uma sala inteira: a máquina da ressonância magnética funcional. Mais usada para encontrar indícios de tumores e outras moléstias na massa encefálica, a ressonância também revela a reação do sistema neurológico a estímulos típicos da interação econômica: o risco, o medo de perder, o incentivo de ganhar, o gosto pelas apostas, a preferência por produtos.
As pesquisas neuroeconômicas são razoavelmente recentes (datam dos anos 1990) e seus resultados, ainda tímidos, mas o campo já anima alguns economistas da "velha escola". Um exemplo notável é Robert Shiller, da Universidade Yale, célebre por trabalhos em economia comportamental e informação assimétrica. Shiller considera que a teoria econômica poderá ser revolucionada muito em breve pela neuroeconomia. O livro que suscitou os comentários otimistas de Shiller é "Foundations of Neuroeconomic Analysis" (Fundamentos de Análise Neuroeconômica), de Paul Glimcher, neurocientista e, mais tarde, economista pela Universidade de Nova York. O título é uma citação, algo provocativa, a outra obra capital da teoria econômica: "Fundamentos de Análise Econômica", de Paul Samuelson (1915-2009).

"O modelo do agente racional perde a validade se as pessoas têm expectativas diferentes do puro ganho monetário", diz Angela Stanton

Segundo Shiller, acostumados a lidar com as escolhas dos consumidores e investidores com o nome de "preferências reveladas", os economistas se tornaram capazes de driblar a "caixa preta" de uma mente insondável - a expressão é de Stanley Jevons e foi cunhada ainda no século XIX. Na fórmula de Milton Friedman (1912-2006), as complexas equações que quantificam utilidades e expectativas funcionariam "como se" revelassem o que ocorre dentro da cabeça das pessoas.

A contribuição da neuroeconomia seria passar do "como se" para o "como é", a tal ponto que as leis mais básicas da economia, essas que regem os mercados e, para os críticos, explicam a surpresa dos economistas perante a crise que começou em 2008, seriam reescritas. Na verdade, discursando para a Sociedade de Neurociências dos EUA no mês passado, Shiller chegou a afirmar que essa revolução já começou.

Mas até que ponto pode-se dizer que a neuroeconomia explica melhor os fenômenos do mercado que a economia como ela é feita tradicionalmente? Por enquanto, o que os neuroeconomistas descobriram é que os critérios de tomada de decisão são muitas vezes diferentes do que se lê nas formulações da teoria. Em vez de maximizar os ganhos, o cérebro busca fugir dos perigos; em vez de buscar o dinheiro para poder adquirir bens, o cérebro trata o dinheiro da mesma forma que os alimentos, o sexo e a sede. No plano emocional, obtê-lo é como saciar a fome, por exemplo.

 
Segundo o economista Robert Shiller, de Yale, os estudos de neuroeconomia são o início de uma revolução na teoria econômica
 
Um estudo da neurocientista Elizabeth Phelps, da Universidade de Nova York, revela que as pessoas que negociam com dinheiro dos outros, isto é, os corretores, têm muito menos aversão à perda do que aquelas que colocam suas próprias economias no circo das finanças. A aversão à perda foi descoberta em 1979 pelos pesquisadores comportamentais israelenses Daniel Kahneman e Amos Tversky: a mente humana não é feita para ganhar dinheiro, mas para sobreviver aos riscos da selva, então vencer é menos importante do que não perder.

O motivo para uma menor aversão à perda diante de investimentos alheios pode ser encontrado no funcionamento do cérebro. (Nesse estudo, além do cérebro, foi medida a resposta galvânica da pele, que revela o nível de excitação de um indivíduo.) Descobriu-se que nossas próprias posses e as de outras pessoas são registradas pelo sistema neurológico como duas coisas completamente diferentes. Uma pessoa trata seus bens como uma parte de si própria; os alheios, como um objeto perfeitamente racional. Assim, as opções de risco, em que se busca maximizar o ganho, ativam a parte do cérebro conhecida como córtex pré-frontal ventromedial. Já as opções seguras, que buscam minimizar as perdas, ativam os neurônios do córtex insular.

Daí o título do estudo: "Pensar Como Um Corretor Reduz a Aversão à Perda", sugerindo que mercados com negociantes profissionais têm um dinamismo muito diferente daqueles menores, onde cada um entra com o seu. Até hoje, nada na teoria econômica apontava nessa direção.
Diante do Congresso dos EUA, em 2009, o ex-presidente do Fed (o banco central americano) Alan Greenspan revelou-se surpreso com a descoberta de que os grandes bancos e as corretoras de valores não se responsabilizavam por evitar riscos para os investimentos de seus clientes. "Descobri que havia uma falha na minha teoria, que durante décadas pareceu funcionar perfeitamente", admitiu. A partir das pesquisas neuroeconômicas, pode-se dizer que a diferença de tratamento entre investimentos próprios ou de terceiros não podia ser prevista pela teoria microeconômica tradicional.

Com as preferências reveladas, os economistas se tornaram capazes de driblar a "caixa preta" de uma mente insondável

Por outro lado, os pesquisadores que falaram ao Valor foram unânimes em advertir que é preciso evitar excessos, como atribuir a crise econômica a qualquer fenômeno emocional ou hormonal, como a já célebre expressão "cobiça corporativa" (empregada pelo próprio Greenspan em 2002, muito antes da quebra do banco Lehman Brothers). "É muito estranho atribuir emoções a um agregado como as corporações", diz Roberto Lent, neurocientista da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). "As corporações são as ações das pessoas que estão dentro delas", afirma Angela Stanton, da Universidade Claremont. "E claramente o sistema é desenhado de maneira a incentivar as pessoas a buscarem todo o lucro possível."

Para Paul Glimcher, as falhas que levaram à crise dos subprimes não estão tanto no comportamento individual - "os executivos têm sido sistematicamente fustigados em Washington porque deram muito lucro às suas empresas, mas esse é o trabalho deles!" - mas nas falhas estruturais do sistema. "O desenho geral dos mercados é malfeito e não contempla direito o medo, a incerteza e o conhecimento imperfeito. Isso não é uma questão neuronal, é a estrutura que não funciona", diz Glimcher. Ainda assim, o cientista espera que seu campo de estudos tenha muitas contribuições a dar em breve. "Dentro de cinco anos, acredito que teremos desenvolvido modelos que proponham mudanças no desenho dos mercados para incorporar tudo isso."

Outro alvo dos estudos neuroeconômicos é o dinheiro. Na teoria econômica tradicional hegemônica, ele não tem valor próprio, a não ser a possibilidade de adquirir bens. Mas o cérebro humano tem uma relação própria com o valor do dinheiro. "Ele é um valor que o cérebro usa como todos os outros valores: comida, sexo, brinquedos, sono, exercício", diz Angela Stanton, que organizou o volume "Neuroeconomics and the Firm", que investiga a relação entre o cérebro e o funcionamento das empresas. "Em outras palavras, o dinheiro é uma ferramenta do prazer", que ativa uma área do cérebro contida no mesencéfalo.

Luciana Whitaker/Valor / Luciana Whitaker/Valor 
Ao fazer suas escolhas em situações de dúvida e risco, o cérebro ativa áreas vinculadas ao planejamento e ao medo, explica Roberto Lent, neurologista da UFRJ
 
Os neuroeconomistas buscam entender as consequências desse tratamento do dinheiro. Ao descobrir que mesmo em pessoas com perfis muito diferentes o dinheiro acionava os mesmos mecanismos de busca e aversão ao risco, o laboratório de Paul Glimcher, em Nova York, tentou descobrir que tipo de relação uma pessoa manteria com o dinheiro quando estivesse com muita fome. "O mais interessante é que a fome faz com que as pessoas, por mais diferentes que sejam suas atitudes normalmente com relação ao risco, se tornem mais ou menos iguais. Elas convergem para uma aversão moderada ao risco", diz Glimcher. "Pensamos: isso deve ter implicações macroeconômicas! Precisamos encontrar algum mercado em que a variação do nível de fome seja variável para ver o que acontece."

"Um dos membros do laboratório é árabe", relata o pesquisador. "Foi ele quem sugeriu observar o que acontece com as bolsas dos países do Oriente Médio durante o Ramadã." No Ramadã, mês sagrado da religião muçulmana, os fiéis passam todo o dia, do amanhecer até o pôr do sol, sem comer. Ao se debruçar sobre os dados tirados das negociações no período, os neuroeconomistas se depararam com um fenômeno conhecido como "efeito Ramadã".

"De fato, nesse período, a variação dos preços nos mercados árabes quase desaparece. Os preços realmente variam muito pouco", diz Glimcher. "Nenhum dos investidores quer arriscar. Ninguém tinha sido capaz de explicar convincentemente por que isso acontece. Agora podemos dizer que a resposta está no hipotálamo, que regula as atitudes perante o risco", conta o neurocientista. E acrescenta: a partir dessa descoberta, vai ser possível desenvolver um modelo econômico que leve em consideração a fome dos agentes na hora de investir.

O cérebro trata o dinheiro da mesma forma que os alimentos, o sexo e a sede. No plano emocional, obtê-lo é como saciar a fome

No campo oposto, economistas como Colin Camerer, do California Institute of Technology (Caltech), George Lowenstein, da Universidade Carnegie-Mellon, e Drazen Prelec, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), se perguntam se a alta remuneração dos executivos e corretores do mercado financeiro americano não teriam relação com o cérebro, com os hormônios e neuropeptídios que nele agem. "Assim como as drogas mais viciantes, as premiações abstratas em dinheiro proporcionam prazer e são desejáveis mesmo se o dinheiro não for usado, de verdade, para o consumo", escrevem os economistas.

É lícito supor, diz o trio, que, se ganhar dinheiro é prazeroso, perdê-lo deve ser doloroso, no fenômeno conhecido como "pay-of-payment", ou "dor de pagar". Daí fenômenos como as vendas casadas, os programas de milhagem, os produtos incluídos em pacotes como se fossem gratuitos.
Apesar dos elogios que recebeu de Shiller, Paul Glimcher busca esfriar o entusiasmo do economista. Não só o objetivo dos neuroeconomistas, segundo Glimcher, não é romper com a teoria econômica tradicional, mas incrementá-la, como "Shiller fala como se a neuroeconomia fosse uma coisa nova, mas já temos diversos laboratórios, revistas especializadas e uma Sociedade de Neuroeconomia com centenas de membros", diz.

Além de diversas universidades americanas, são encontrados departamentos de neuroeconomia respeitáveis na França (Insead), na Suíça (Zurique), na Alemanha (Instituto Max Planck, Jena; Freie Universität, Berlim), Taiwan (Chengchui) e outros países. No Brasil, os laboratórios do Instituto D'Or, no Rio de Janeiro, têm pesquisas neuroeconômicas conduzidas pelo neurocientista Jorge Moll Neto.

 
Os experimentos em neuroeconomia empregam instrumentos como a ressonância magnética para medir as áreas ativadas no cérebro
 
As pesquisas com teor mais químico da neuroeconomia envolveram, até agora, a oxitocina, neuropeptídio que favorece a generosidade e o altruísmo; a testosterona, considerado o hormônio masculino e vinculado, entre outras coisas, a comportamentos agressivos; a vasopressina, popularmente conhecida como hormônio antidiurético; e a dopamina, neurotransmissor estimulante e responsável pela sensação de prazer.

"Por enquanto, é só isso", diz Angela Stanton. "Por enquanto! Vamos ter de entender o impacto econômico de todos [com ênfase nesta palavra] os hormônios que circulam nos nossos corpos. São eles que fazem de nós o que somos." Para a economista, tudo que fazemos pode ser medido em termos de hormônios. "Para usar a fórmula do jornalismo, se soubermos o como, o quê e o quando dos hormônios, saberemos o quem."

Roberto Lent sublinha um possível conflito entre a nova linha de economistas e as escolas já instaladas. É certo que o uso da ressonância magnética possa revelar os impactos emocionais, por exemplo, de determinados produtos e embalagens na subjetividade dos consumidores. Daí o sucesso de um ramo da neuroeconomia, o neuromarketing, que já enseja a criação de diversas pequenas empresas de pesquisa.

Mas para fenômenos mais amplos da interação econômica, Lent considera discutível que impulsos neurais possam explicar questões com forte conteúdo social, cultural e conjuntural. "O social parte do biológico como o astronômico parte do átomo, mas quem vai dizer que podemos explicar os fenômenos astronômicos por estudar os átomos?"

Embora concorde que é preciso ter cuidado ao aproximar campos distintos, Glimcher considera que o namoro da neurologia com a economia pode produzir um rebento saudável. Ele lembra do surgimento da teoria das ondas, de Werner Schödinger, que fundiu a física e a química - "hoje, as duas ciências são mais confiáveis e robustas" - e do surgimento da bioquímica - "os biólogos diziam que seria impossível explicar qualquer fenômeno biológico com o DNA, mas hoje a biologia é pura genética".

A oxitocina foi, até agora, o hormônio que deu mais resultados para a neuroeconomia, principalmente nos trabalhos de Paul Zak, da Universidade de Claremont. No experimento que ficou conhecido como "jogo do ultimato" (com uma variação conhecida como "jogo do ditador"), um indivíduo recebe dos cientistas uma certa quantia e é instado a oferecer uma parte dessa quantia a outro indivíduo. Se o segundo aceitar, a divisão é feita e ambos guardam o dinheiro. Se recusar, os cientistas recolhem a quantia e ninguém ganha nada.

Os economistas comportamentais já tinham descoberto que raramente um indivíduo toma a atitude esperada do homo economicus: oferecer e aceitar um valor muito baixo. Nos experimentos, as ofertas se aproximavam de 50% e valores abaixo de 20% eram sistematicamente rejeitados. Faltava uma explicação para o fato com uma sólida base teórica. Os neurocientistas dizem poder oferecer essa explicação com base em hormônios como a oxitocina.
Quanto maior o volume desse hormônio (na verdade um neuropeptídio) no sangue, maior o altruísmo e a capacidade de empatia com os outros jogadores. Injetando quantidades variáveis do hormônio nos sujeitos do experimento, descobriram que era possível estabelecer uma correlação entre os valores oferecidos ou aceitos, de um lado, e a carga hormonal, do outro. Com isso, torna-se possível derivar uma fórmula matemática que, partindo de atitudes altruístas, se afaste do paradigma do homo economicus. "O modelo do agente racional perde a validade se as pessoas têm expectativas diferentes do puro ganho monetário", diz Angela Stanton.

A "revolução neuroeconômica" antevista por Shiller não será, porém, tão radical quanto pode parecer, como adverte a própria Angela Stanton. O altruísmo e a generosidade podem ser medidos como formas de ganho pessoal também, embora não em termos monetários. "A questão é simplesmente redefinir o que entendemos por 'ganho pessoal'", diz. Ela dá o exemplo dos missionários que abandonam tudo para se embrenhar na mata e converter pessoas à sua fé. "À primeira vista, são abnegados, mas também é verdade que elas ganham uma recompensa na forma de hormônios de autossatisfação."

Diego Viana  – (Aug 9, 2012, 5:06:00 PM)  

I'm very honored to see this posted in the Philosopher's Desk. Neuroeconomics is a very interesting subject indeed, not only for epistemology, but also for a phenomenological apprehension of social relations in the market sphere. I've been researching a lot about it.

BTW, where you read "pay of payment", please read "pain of payment", of course.

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