Eduardo Viveiros de Castro lê 'Arqueologia da violência', de Clastres

"Arqueologia da violência”, publicado originalmente em 1980 sob o título “Pesquisas de antropologia política”, compreende textos escritos, em sua maioria, pouco antes da morte do autor, em 1977. Ele forma um par natural com a coletânea publicada em 1974, “A sociedade contra o Estado”. Se esta última possui uma maior unidade interna, e contém mais artigos baseados em experiência etnográfica direta, a presente coletânea documenta a fase intensamente criativa em que se achava Pierre Clastres quando do acidente em que perdeu a vida, aos 43 anos, em uma estrada das Cévennes, no Maciço central francês. Os trabalhos aqui reunidos compõem, assim, um livro de transição, que projeta uma obra inacabada; transição e obra que cabe agora a seus leitores — especialmente, é claro, aos etnólogos americanistas —, completar e prolongar o melhor que soubermos.

Entre vários textos notáveis deste “Arqueologia da violência”, destacam-se, sem sombra de dúvida, os dois capítulos finais: o ensaio que dá nome ao livro nesta edição e o artigo subsequente, o último que Clastres publicou em vida. Eles imprimem uma inflexão decisiva ao conceito que tornou seu autor célebre, a “sociedade-contra-o-Estado”. Retomando o problema clássico das relações entre a violência e a constituição do corpo político soberano, Clastres propõe nesses artigos uma relação funcional positiva entre a “guerra” (melhor dizendo, o estado metaestável de hostilidade virtual entre comunidades locais relativamente autônomas) e a intencionalidade coletiva que define ou constitui as chamadas sociedades primitivas — o espírito de suas leis, para falarmos como Montesquieu.

A antropologia encarna, para Clastres, um projeto de consideração do fenômeno humano como definido por uma alteridade intensiva máxima, uma dispersão cujos limites são a priori indetermináveis. “Quando o espelho não nos devolve nossa própria imagem, isso não prova que não haja nada a observar” ([1974] 2003: 35). Essa constatação seca encontra eco em uma formulação recente de Patrice Maniglier a propósito do que este filósofo chama de “a mais alta promessa” da antropologia, a saber, a de “nos devolver uma imagem de nós mesmos em que não nos reconheçamos” (2005: 773-74). O propósito de tal consideração, o espírito dessa promessa, não pode ser então o de reduzir a alteridade que envolve o percurso interno do conceito de humano, mas sim o de multiplicar as suas imagens. Alteridade e multiplicidade definem ao mesmo tempo o modo como a antropologia constitui a relação com seu objeto e o modo como seu objeto se autoconstitui. “Sociedade primitiva” ou “contra o Estado” é o nome que Clastres deu a esse objeto, e ao seu próprio encontro com a multiplicidade. E se o Estado existiu desde sempre, como argumentaram Deleuze & Guattari (1980: 445), então a sociedade primitiva também existirá para sempre: como exterior imanente do Estado, força de antiprodução sempre a ameaçar as forças produtivas, multiplicidade não interiorizável pelas grandes máquinas mundiais. “Sociedade primitiva”, em suma, é uma das muitas encarnações conceituais da perene tese da esquerda de que um outro mundo é possível: de que há vida fora do capitalismo, como há socialidade fora do Estado. Sempre houve, e — é para isso que lutamos — continuará havendo.

O projeto de Clastres era o de transformar a antropologia “social” ou “cultural” em uma antropologia política, no duplo sentido de uma antropologia que tomasse o poder (não a “dominação”, a “exploração” ou o “conflito”) como imanente à vida social, e, mais importante, que fosse capaz de levar a sério a alteridade radical da experiência dos povos ditos primitivos, o que requeria, antes de mais nada, o reconhecimento de sua plena capacidade de autoinvenção e de autorreflexão. Para isso, era preciso primeiro romper a relação teleológica — melhor dizendo, teológica — entre a dimensão política da vida coletiva e a forma-Estado, afirmada e justificada por virtualmente toda a filosofia ocidental. Deleuze escreveu, em uma passagem famosa: “A esquerda precisa que as pessoas pensem, e seu papel, esteja ela ou não no poder, é o de descobrir um tipo de problema que a direita quer a todo custo esconder” (1990a: 173). O problema que Clastres descobriu, o da coincidência fortuita entre poder e coerção, é um daqueles que a direita precisa esconder. A antropologia só se tornará realmente política, afirma Clastres, a partir do momento em que for capaz de mostrar que o Estado e tudo aquilo a que ele deu origem (em particular, as classes sociais) são uma contingência histórica, um infortúnio acidental antes que um destino essencial, e que às sociedades que não o têm não falta nada, senão a vontade de ser tida por ele, a estranha vontade negativa de ter uma falta que o necessite. É com o Estado e pelo Estado que a necessidade se substitui à suficiência.

A sociedade primitiva talvez fosse, para Clastres, algo como uma essência; mas não era uma essência estática. O autor sempre a concebeu como um modo de funcionamento profundamente instável, em sua busca mesma de estabilidade a-histórica. (...) Pois existe, sim, um “modo de ser” muito característico do que ele chamou sociedade primitiva, e que nenhum etnógrafo que tenha convivido com uma cultura amazônica, mesmo uma daquelas que mostra elementos importantes de hierarquia e de centralização, pode ter deixado de experimentar em toda sua evidência, tão inconfundível como elusiva. Esse modo de ser é “essencialmente” uma política da multiplicidade; Clastres pode ter-se enganado ao interpretá-la (não é claro que o tenha feito) como se ela devesse se exprimir, em toda parte, como multiplicidade “política”, isto é, como uma forma institucionalizada de autorrepresentação coletiva.

Imaginemos a etnologia clastriana como um drama conceitual onde se defrontam um pequeno número de personagens ou tipos: o chefe, o inimigo, o profeta, o guerreiro. Todos constituem figuras de alteridade, operadores paradoxais que definem o socius por meio de alguma forma de negação (a sociedade primitiva de Clastres parece sempre projetar uma antropologia negativa, ou talvez contra-afirmativa: contra o Estado, contra a história, contra a economia, contra a troca). Assim, o chefe encarna o exterior da Troca fundadora da sociedade, e representa o grupo na medida em que tal exterioridade é interiorizada e domesticada: ao tornar-se “o prisioneiro do grupo”, ele permite sua unidade e indivisão. O inimigo nega o Nós coletivo, permitindo que este se afirme contra ele, por sua exclusão violenta; o inimigo morre para assegurar a persistência do múltiplo, a lógica da separação. O profeta, por sua vez, é o “inimigo” do chefe, ele afirma a sociedade contra a chefia quando esta ameaça escapar do controle do grupo e se afirmar como poder transcendente; ao mesmo tempo, o profeta arrasta a sociedade para uma saída impossível, a autodissolução. O guerreiro, por fim, é o inimigo de si mesmo, destruindo-se na demanda da imortalidade gloriosa, impedido pela sociedade que ele defende de transformar seu valor no combate em valor de poder. O chefe é uma espécie de inimigo, o profeta uma sorte de guerreiro, e assim por diante.

Essas quatro personagens formam então um círculo de alteridade que contraefetua ou contrainventa a sociedade primitiva. Mas no interior do círculo não está o Sujeito, o Eu-Nós, a forma reflexiva da Identidade. O quinto elemento, que pode ser dito o elemento dinâmico central precisamente por sua excentricidade, é o personagem sobre o qual se apoia toda política da multiplicidade: o aliado político, interposto entre os polos de interioridade e exterioridade ocupados pela comunidade de referência e as comunidades inimigas. Nunca há apenas duas posições no socius primitivo, tudo gira em torno do aliado, o terceiro termo que permite converter a indivisão interna na fragmentação externa e reciprocamente, modulando a guerra indígena e a transformando em uma relação social plena, ou mesmo, como sustenta Clastres, no nexo fundamental, “arqueológico”, da socialidade primitiva.

Assim, quando Sztutman (2011: 35) discerne pertinentemente uma conversão da negatividade em positividade na evolução teórica de Clastres, na medida em que a “sociedade-contra-o-Estado” se reformula em “sociedade-para-a-guerra”, penso que haveria que ir mais longe. Deve-se poder ver (ou seja, defender) algo mais que uma troca de sinal. É preciso inverter a ordem das razões, liberando a teoria clastriana de qualquer interpretação funcionalista (no sentido de Radcliffe-Brown). A guerra primitiva não tem necessariamente uma “função social”, mas ela terá sempre um efeito político. A negação do Estado seria neste caso uma consequência da afirmação da guerra e não sua causa final. A guerra não teria, assim, qualquer função ou razão (isto é, uma representação que comanda a instituição) para além daquelas dadas transparentemente pelas cosmologias indígenas, mas nada mais, nem menos, que consequências ou efeitos. Talvez não haja, a rigor, uma função política, apenas funcionamentos políticos. O que não é a mesma coisa que dizer que a política está em toda parte. Talvez ela esteja, privilegiadamente, em certas partes — em certas dimensões da vida coletiva que não têm por que ser as mesmas em toda parte (como justamente mostrou Clastres, ao distinguir o político da divisão estatal). Ela pode estar, por exemplo, no caso amazônico, exatamente nas relações intercomunitárias, como mostram a etnografia dos Yanomami ou dos Jívaro, para os quais a guerra e a política estão não apenas em “continuação”, mas em estrita cointensividade. O que seria um modo de dizer que a política não é o lugar de produção da identidades, mas a zona de circulação de alteridades.

A política, ou o político, pode assim “estar” privilegiadamente nas relações intercomunitárias — mas pode não estar, ou não apenas, ou não simplesmente. A política pode produzir a multiplicidade comunitária, na medida em que ela opera, empírica e historicamente, “antes” delas, no coração mesmo da comunidade una e indivisa; mas só será assim porque ela existe, já lá, como guerra — o que faz com que, por seu turno, o horizonte multicomunitário esteja desde o início incluído na definição da comunidade.

Assim se articulam, assimetricamente, os dois lados da máquina antiestatal clastriana. A política se reintroduz dentro da comunidade una e indivisa, dividindo-a incessantemente (na horizontal) e assim funcionando como a causa empírica, de facto, daquele “exterior” — como motor da fissão geradora da multiplicidade de grupos locais, que passam de ex-parentes a inimigos a aliados e back again —, o qual, por sua vez, funciona como causa transcendental, ou de jure, de toda interioridade social possível. Com isso, entretanto, se dissolvem definitivamente quaisquer fronteiras outras que contingentes entre o interno e o externo. Pois não estamos, este é o ponto, sob a lei do Estado, “a lei do interior e do exterior” (Deleuze & Guattari 1980: 445). Não é mais o caso de se opor a paz interna à guerra externa, o convivialismo dos semelhantes à exclusão dos diferentes: “A ausência de uma estabilização maior do poder político não resulta do consenso em torno de um desejo comum de liberdade, mas de um constante dissenso e da ausência da noção de ‘bem comum’” (Figueiredo 2011). O chefe sem poder é um chefe não representativo — pois estamos fora do mundo da representação. Falece toda leitura convivialista da sociedade-contra-o-Estado. Uma imagem de nós mesmos onde não nos reconhecemos. Sequer no ideal. [O Globo, 23/7/2011]

EDUARDO VIVEIROS DE CASTRO é antropólogo, professor do Museu Nacional/UFRJ, autor de “A inconstância da alma selvagem”, entre outros. Este artigo reproduz trechos dos posfácio que integra a nova edição de “Arqueologia da violência” (Cosac Naify, tradução de Paulo Neves, prefácio de Bento Prado Jr.)

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Maurice Blanchot: A Besta de Lascaux

In Revista Polichinelo. Tradução: Eclair Antonio Almeida Filho

Por Maurice Blanchot


Gostaria muito de lembrar que este texto foi, pela primeira vez, editado em livro por G. L. M. em 1958. Hoje, a reedição gostaria, não de abolir, mas de restituir por uma lembrança fugaz, como uma dupla homenagem à amizade, a de René Char, a de Guy Levis Mano, aquilo que nos vem da poesia, como de uma eternidade sempre passageira. M.B

* * *


A BESTA INOMINÁVEL

A Besta Inominável encerra a marcha do gracioso
Tropel, como um cíclope burlesco.
Oito chacotas formam seu adorno, dividem sua loucura.
A Besta arrota devotamente no ar rústico.
Seus flancos estufados e caidiços são dolorosos, vão
Se esvaziar de sua prenhez.
De seus cascos até suas vãs defesas; ela está
Envolta em fedor.

Assim me aparece no friso de Lascaux, mãe fan-
tasticamente disfarçada,
A Sabedoria com os olhos cheios de lágrimas.

René Char


*


Em Fedro, Platão evoca, para condená-la, uma estranha linguagem: eis que alguém fala e, no entanto, ninguém fala; é, pois, uma palavra[i], mas ela não pensa aquilo que ela diz, e diz sempre a mesma coisa, incapaz de escolher seus interlocutores, incapaz de responder se eles a interrogam, e de socorrer a si mesma se a atacam: destino que a expõe a rolar por todos os lados, ao acaso, e que expõe a verdade a devir semente de acaso; confiar a essa palavra o verdadeiro é realmente confiá-lo à morte. Sócrates propõe, pois, que, dessa palavra, se[ii] se afaste o máximo possível, como que de uma perigosa doença, e que se se atenha à verdadeira linguagem, que é a linguagem falada, onde a palavra está segura de achar na presença daquele que a exprime uma garantia viva.

Palavra escrita: palavra morta, palavra do esquecimento. Essa extrema desconfiança pela escrita, partilhada ainda por Platão, mostra qual dúvida pôde fazer nascer, quais problemas suscitar o uso novo da comunicação escrita: o que é essa palavra que não tem por trás de si a caução pessoal de um homem verdadeiro e preocupado com a verdade? O humanismo já tardio de Sócrates se acha aqui a igual distância de dois mundos que ele não desconhece, que ele recusa por uma escolha vigorosa. De um lado, o saber impessoal do livro que não pede para ser garantido pelo pensamento de um só, pensamento que não é jamais verdadeiro, pois ele não pode se fazer verdade senão no mundo de todos e pelo advento mesmo desse mundo. Um tal saber está ligado ao desenvolvimento da técnica sob todas as formas e faz da palavra, da escrita, uma técnica.

Mas Sócrates, que rejeita o saber impessoal do livro, não rejeita menos – ainda que com mais reverência - uma outra linguagem impessoal, a palavra pura que dá entendimento ao sagrado. Nós não somos mais, diz Sócrates, daqueles que se contentavam em escutar a voz do carvalho ou a de uma pedra. « Vós outros, os modernos, quereis saber quem é aquele que fala e de que região ele é[iii]. » De modo que tudo aquilo que é dito contra a escrita serviria, também, muito bem para desacreditar a palavra recitada do hino lá onde o recitante - que ele seja o poeta ou o eco do poeta-, não é mais que o órgão irresponsável de uma linguagem que o ultrapassa infinitamente.

E, nisso, misteriosamente, a escrita, ligada, no entanto, ao desenvolvimento da prosa, quando o verso cessa de ser um meio indispensável para a memória, a coisa escrita aparece essencialmente próxima da palavra sagrada, da qual ela parece portar na obra a estranheza, da qual ela frequenta assombrosamente a desmedida, o risco, a força que escapa a todo cálculo e recusa toda garantia. Como a palavra sagrada, aquilo que é escrito vem não se sabe de onde, é sem autor, sem origem e, por aí, reenvia a alguma coisa de mais original. Por trás da palavra do escrito, ninguém está presente, mas ela dá voz à ausência, como no oráculo onde fala o divino, o deus ele mesmo não está jamais presente em sua palavra, e é a ausência de deus que então fala. E o oráculo, não mais que a escrita, não se justifica, não se explica, não se defende: nenhum diálogo com o escrito e nenhum diálogo com o deus. Sócrates permanece assustado com esse silêncio que fala.

Diante da estranheza da obra escrita, seu mal-estar é finalmente aquele que ele prova diante da obra de arte, cuja essência insólita lhe inspira desconfiança, quando não desprezo: « Aquilo que há sem dúvida de terrível na escrita, é, Fedro, a sua semelhança com a pintura: os rebentos desta não se apresentam como seres vivos, mas não se calam majestosamente quando se os interroga? » Aquilo que o perturba portanto, aquilo que lhe parece « terrível », é, na escrita como na pintura, o silêncio, silêncio majestoso, mutismo em si mesmo inumano e que faz passar na arte o estremecimento das forças sagradas, essas forças que, pelo horror e pelo terror, abrem o homem a regiões estrangeiras.

Nada mais impressionante que essa surpresa diante do silêncio da arte, esse mal-estar do amador de palavras, do homem fiel à honestidade da palavra viva: o que é isso que tem a imutabilidade das coisas eternas e que, no entanto, não é senão aparência, que diz coisas verdadeiras, mas por trás do qual não há senão o vazio, a impossibilidade de falar, de tal maneira que aqui o verdadeiro não tem nada que o sustenha, aparece sem fundamento, é o escândalo daquilo que parece verdadeiro, não é senão imagem e, pela imagem e o semblante, atrai a verdade para a profundeza onde não há nem verdade, nem sentido, nem mesmo erro? Eis porque Platão e Sócrates, na mesma passagem, se apressam em fazer da escrita, bem como da arte, um divertimento em que o sério não está comprometido, que se reservará às horas de recreação, semelhante a esses jardins em miniaturas formados artificialmente em corbelhas para o ornamento das festas e chamados jardins de Adonis. O discurso escrito, o « volume », não será, portanto, senão um « jardim em letras de escrita », capaz, no máximo, de comemorar as obras ou os eventos do saber, sem ter nenhuma parte com o trabalho de sua descoberta. E se vê aqui Sócrates aproximar de novo a escrita do sagrado ao aproximá-la da celebração que interrompe a atividade laboriosa do homem votado ao verdadeiro para introduzi-lo no tempo em que deuses e homens se encontram: o tempo da festa. Só que a antiga selvageria profética do carvalho não é mais que um amável jardim em miniatura, do mesmo modo que a festa não é mais que um divertimento.

*

As vezes se pergunta por que René Char, poeta ligado a nosso destino, se sente intimamente próximo do nome de Heráclito, de quem ele mesmo evocou a figura vitoriosa, « a visão de águia solar », « gênio orgulhoso, estável e ansioso[iv] », mas o qual evocam, portam diante de nós, por uma chamada mais imediata, tantas de suas obras, fulgores de poema onde o poema parece reduzido ao gume do puro fulgor, ao corte de uma decisão.

Talvez um começo de resposta nos será dado por dois pensamentos de Heráclito. Heráclito responde neles de algum modo a Sócrates ao reconhecer naquilo que faz da palavra impessoal do oráculo um perigo e um escândalo, a autoridade verdadeira da linguagem: « O Senhor cujo oráculo está em Delfos, não exprime nem dissimula nada, mas indica. » O termo « indica » faz aqui um retorno a sua força de imagem e faz com o verbo o dedo silenciosamente orientado, o «indicador cuja unha está arrancada » e que, não dizendo nada, não escondendo nada, abre o espaço, abre-o a quem se abre a essa vinda. Sócrates tem, sem dúvida, razão: aquilo que ele quer, não é uma linguagem que não diga nada e por trás da qual nada se dissimule, mas uma palavra segura, penhorada por uma presença: que se possa trocar e feita para a troca. A palavra à qual Sócrates se fia é sempre palavra de alguma coisa e palavra de alguém, uma e outro sempre já revelados e presentes, jamais uma palavra que começa. E, por aí, deliberadamente, com uma prudência que não é preciso desconhecer, ele renuncia a toda linguagem voltada em direção à origem, tanto ao oráculo quanto à obra de arte pela qual é dada voz ao começo, apelo endereçado a uma decisão inicial.

A linguagem na qual fala o original é essencialmente profética. Isso não significa que ela dite os eventos futuros: isso quer dizer que ela não toma apoio em alguma coisa que já exista, nem sobre uma verdade em curso, nem sobre a só linguagem já dita ou verificada. Ela anuncia, porque ela começa. Ela indica o porvir: porque ela não fala ainda, linguagem do futuro, nisso que ela é ela mesma como que uma linguagem futura, que sempre se adianta, não tendo seu sentido e sua legitimidade senão adiante de si, quer dizer, no fundo injustificada. E tal é a sabedoria desrazoável da Sibila, a qual se faz ouvir durante mil anos, porque ela não é jamais ouvida agora, e essa linguagem que abre a duração, que dilacera e debuta, é sem sorriso: sem adorno e sem maquiagem, nudez da palavra primeira: « A Sibila que, com uma boca espumante, faz ouvir palavras sem elegância, sem adorno e sem maquiagem, faz ressoar seus oráculos durante mil anos, pois é o deus quem a inspira. »

*
 
Se se julgasse útil retomar em poucos traços a força do poema tal como ele se clareia na obra de René Char, poder-se-ia contentar-se em dizer que ele é essa palavra futura, impessoal e sempre por vir em que, na decisão de uma linguagem que começa, é-nos, entretanto, intimamente falado daquilo que se joga no destino que nos é o mais próximo e o mais imediato. É, por excelência, o canto do pressentimento, da promessa e do despertar – não que ele cante aquilo que será amanhã, nem que nele um porvir, feliz ou infeliz, nos seja precisamente revelado -, mas ele liga firmemente, no espaço que o pressentimento retém, a palavra ao impulso e, pelo impulso da palavra, ele retém firmemente o advento de um horizonte mais amplo, a afirmação de um dia primeiro. O porvir é raro, e cada dia que vem não é um dia que começa. Mais raro ainda é a palavra que, em seu silêncio, é reserva de uma palavra por vir e nos volta, nem que seja para o mais perto de nosso fim, em direção à força do começo. Em cada uma das obras de René Char, nós ouvimos a poesia pronunciar o juramento que, na ansiedade e na incerteza, a une ao porvir dela mesma, a obriga a não falar senão a partir desse porvir para dar, de antemão, a essa vinda a firmeza e a promessa de sua palavra.

Em Moulin premier: « Advém ao poeta encalhar, no curso de suas buscas, numa margem onde ele não era esperado senão muito mais tarde, após seu aniquilamento ». Em Partage formel: « A cada effondrement das provas o poeta responde por uma salva de porvir. » Em Le Poème pulvérisé: «Poesia, a vida futura no interior do homem requalificado. » Em Les Matinaux, cujo nome é já uma chamada a « Premiers levés »: « Conquista e conservação indefinida dessa conquista adiante de nós que murmura nosso naufrágio, derrota nossa decepção. » Ou ainda, em uma das obras recentes, essa espécie de conclusão grave: « Eu não estou muito distanciado no presente da linha de encaixe e do instante final em que, toda coisa em meu espírito, por fusão e síntese, tendo devindo ausência e promessa de um futuro que não me pertence, eu vos suplicaria a me conceder meu silêncio e minha liberação[v]. »

Desenlace no silêncio futuro de onde, precisamente, se elevam hoje os movimentos desconcertantes do poema intitulado Lettera amorosa, em que o espaço e a liberdade do amor, a intimidade amante do poeta nos são tornadas presentes com a simplicidade das palavras intactas, e, apesar da aparência, é, pois, ainda a poesia que nos fala aqui de si mesma, que nos fala, sob o rosto da paixão, de sua essência sempre futura, de seu arrebatamento sempre por vir em seu presente mais real e mais ardente: ela está ligada nisso ao desejo que é, como ela, a efervescência de todo o porvir na queimadura do instante, ela lhe é eternamente unida, como o disse a palavra de Seuls demeurent: « O poema é o amor realizado do desejo permanecido desejo» e como o confirmam as páginas de Lettera amorosa em que parece que a poesia quer captar, por trás da luz, a aberrtura violenta, a chanfradura mais inicial pela qual tudo se ilumina e se desperta e se promete: « Toda a boca e a fome de alguma coisa de melhor que a luz (de mais chanfrado e de mais agarrante) se desencadeiam[vi]

Mas são aqui somente marcas. Aquilo que seria necessário precisar ainda: poema no qual o poema está como que por vir, no qual é erguida a promessa, a decisão de um começo, ele toma daí essa palavra às vezes breve, que se poderia dizer retida, se ela não fosse a prodigalidade preservada, plenitude e generosidade da fonte. « Senhor Tempo ! Loucas Ervas! Caminhantes potentes! » Palavra que não se repete, que não usa de si mesma, que não diz as coisas já presentes, que não é o vai-e-vem incansável do diálogo de Sócrates, mas, como a palavra do Senhor de Delfos, ela é a voz que ainda não disse nada, que se desperta e que desperta: voz às vezes áspera e exigente, que vem de longe e que chama para o longe.

Daí ainda que, na firmeza que a ergue e a mantém numa constante insurreição, ela ligue o poema ao maior risco, o confie a esse risco, e essa confiança no « considerável perigo », pela qual nossa própria situação se clareia, designa bem a poesia para a aventura que ela deve essencialmente ser, quando se expõe, sem garantia e sem certezas, à liberdade daquilo que não está ainda que por vir.

Palavra densa, fechada sobre sua própria ansiedade, que nos interpela e nos empurra para frente, de modo que ela parece, às vezes, unir poesia e moral e nos dizer aquilo que é esperado de nós, mas é porque ela é, para si mesma, essa injunção que é a forma de todo começo. Toda palavra que começa, ainda que seja o movimento mais doce e mais secreto, é, porque ela nos adianta infinitamente, aquela voz que abala e que exige mais: tal como o mais delicado nascer do dia no qual se declara toda a violência de uma primeira claridade, e tal como a palavra oracular que não dita nada, que não obriga a nada, que não fala mesmo, mas faz com esse silêncio o dedo imperiosamente fixado em direção ao desconhecido.

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Quando o desconhecido nos interpela, a palavra toma emprestada do oráculo a sua voz onde não fala nada de atual, mas que força aquele que a escuta a se arrancar a seu presente para dele vir a si mesmo como àquilo que não existe ainda, essa palavra é frequentemente intolerante, de uma violência altiva que, em seu rigor e por sua sentença indiscutível, nos tira de nós mesmos, ignorando-nos. Profetas e visionários falam com uma soberania tanto mais abrupta quanto aquilo que fala neles os ignora: essa ignorância que os torna tímidos torna-os autoritários e dá a suas vozes mais dureza que fulgor.

É a chance do poema poder escapar à intolerância profética, e é essa chance que, com uma pureza da qual mal nos damos conta, a obra de René Char nos oferece, ela que nos fala de tão longe, mas com uma íntima compreensão que no-la torna tão próxima, - que tem a força de impessoal, mas é para a fidelidade de um destino próprio que ela nos chama, obra tendida mas paciente, tempestuosa e plana, enérgica, concentrando em si, na brevidade explosiva do instante, uma potência de imagem e de afirmação que « pulveriza » o poema e, no entanto, guarda a lentidão, a continuidade e o entendimento do ininterrupto।


De onde vem isso? É que ela diz o começo, mas pela longa, paciente, silenciosa aproximação da origem e na vida profunda do todo, dando acolhida ao todo. A natureza é potente sobre essa obra, e a natureza não é somente as sólidas coisas terrenas, o sol, as águas, a sabedoria dos homens duráveis, não é mesmo todas as coisas, nem a plenitude universal, nem o infinito do cosmos, mas aquilo que é já antes de « tudo », o imediato e o muito longínquo, aquilo que é mais real que todas as coisas reais e que se esquece em cada coisa, o laço que não se pode ligar e pelo qual tudo, o todo se liga. A natureza é, na obra de René Char, essa prova da origem, e é nessa prova em que ela é exposta ao jorrar de uma liberdade sem medida e à profundidade da ausência de tempo que a poesia conhece o despertar e, devindo palavra que começa, devém a palavra do começo, aquela que é o juramento do porvir. Eis porque ela não é a antecipação que, de uma maneira provocante, se lançaria profeticamente no tempo e fixaria, ligaria o futuro; ela não é muito menos palavra de vidente, à maneira « desregrada » de Rimbaud, mas é « previdente », como aquilo que reserva e salvaguarda, aquilo que assegura e aclimata a vida profunda e a livre comunicação do todo, palavra na qual a origem se faz começo.. « Os grandes previdentes precedem um clima, às vezes o fixam, mas não adiantam fatos. Eles podem, no máximo, deduzindo-os desse clima, rabiscar os contornos de seus fantasmas e, se eles tiverem escrúpulo, por antecipação, tirar-lhes o brilho. Aquilo que terá lugar banha, ao mesmo título, aquilo que passou numa espécie de imersão. » « Mas quem restabelecerá em torno de nós essa imensidade, essa densidade, realmente feitas para nós, e que, de todas as partes, não divinamente, nos banhavam? » (À une Sérénite crispée



Nota do tradutor[i] : Blanchot emprega “palavra” [parole] no sentido de discurso, de fala, como na expressão “a palavra de Deus” [a fala que viria de Deus].[ii] Blanchot usa o pronome pessoal l’on de modo impessoal, que teria como equivalente em português o pronome se em suas funções de indeterminador e apassivador do sujeito gramatical. Por isso, para diferenciar o se pronome impessoal do caso reto do “se” pronome pessoal oblíquo usaremos o “se” pronome impessoal do caso reto em itálico.[iii] A partir da tradução francesa de Léon Robin, edição de la Pléiade.[iv] Avant-propos à Héraclite d’Éphèse, traduction nouvelle d’Yves Battistine, éditions « Cahiers d’Art ».[v] À une Sérénité crispée, Gallimard, 1951.[vi] Lettera amorosa, Gallimard, 1953.[vii] Essa «imensidade » da « imersão », que é o espaço mesmo do canto no qual vive o todo, Partage formel a clareia assim: « Em poesia, é somente a partir da comunicação e da livre disposição da totalidade das coisas entre si através de nós, que nós nos encontramos empenhados e definidos, do mesmo modo que obtemos nossa forma original e nossas propriedades probatórias. »[viii] La Paroi et la Prairie, G. L. M., 1952.[vii].)

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Se a palavra do poema, na obra de René Char, evoca a palavra do pensamento em Heráclito, tal como ela nos foi transmitida, nós o devemos, parece, a essa relação [rapport] com a origem, relação em um e no outro, não tão confiante nem estável, mas dilacerada e tempestuosa. Xenófanes, sem dúvida mais jovem que Heráclito, mas como ele daqueles que, com uma ternura um pouco zombeteira, Platão chamava de « os Velhos », era um desses aedos errantes, que iam de país em país e viviam de seus cantos; só que aquilo que cantava em seu canto, era já o pensamento, uma palavra que recusava as lendas dos deuses, as interrogava asperamente e se interrogava a si mesma, de modo que aqueles que o escutavam assistiam a esse evento muito estranho: o nascimento da filosofia no poema.

Existe, na experiência da arte e na gênese da obra, um momento em que esta não é ainda senão uma violência indistinta que tende a se abrir e a se fechar, que tende a se exaltar num espaço que se abre e que tende a se retirar para a profundidade da dissimulação: a obra é, então, a intimidade em luta de momentos irreconciliáveis e inseparáveis, comunicação dilacerada entre a medida da obra que se faz poder e a desmedida da obra que quer a impossibilidade, entre a forma onde ela se capta e o ilimitado onde ela se recusa, entre a obra como começo e a origem a partir da qual não há jamais obra, onde reina o desobramento eterno. Essa exaltação antagonista é aquilo que funda a comunicação e é ela que tomara finalmente a forma personificada da exigência de ler e da exigência de escrever. A linguagem do pensamento e a linguagem que se projeta no canto poético são como as direções diferentes que tomou esse diálogo original, mas, em uma e na outra, e cada vez que uma e outra renunciam à forma apaziguada e remontam em direção à sua fonte, parece que recomeça, de uma maneira mais ou menos « viva », esse combate mais original de exigências mais indistintas, e se pode dizer que toda obra poética, no curso de sua gênese, é retorno a essa contestação inicial e que mesmo, enquanto ela é obra, ela não cessa de ser a intimidade de seu eterno nascimento.

Na obra de René Char, tal como nos fragmentos de Heráclito, é a essa eterna gênese que nós assistimos de momento em momento, a esse duro combate junto do anterior, lá onde a transparência do pensamento se faz dia através da imagem obscura que a retém, onde a mesma palavra, sofrendo uma dupla violência, parece se clarear pelo silêncio nu do pensamento, parece se adensar, preencher-se da profundidade falante, incessante, murmúrio onde nada se deixa ouvir. Voz do carvalho, linguagem rigorosa e fechada do aforismo, é assim que nos fala, na indistinção de uma palavra primeira, « mãe fantasticamente disfarçada, a Sabedoria com os olhos cheios de lágrimas » que, olhando o friso de Lascaux, René Char identificou sob a figura da « Besta inominável[viii] »। Estranha sabedoria, muitíssimo antiga para Sócrates e muitíssimo nova também e da qual, entretanto, apesar do mal-estar que o fazia se distanciar dela, deve-se crer que ele não está excluído, ele que não aceitava como penhor à palavra senão a presença de um homem vivo e que, no entanto, veio a morrer por isso, a fim de manter palavra.

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Sándor Kiss: « Chroniques » de Maurice Blanchot dans La N.R.F

Sándor Kiss: « Chroniques » de Maurice Blanchot dans La N.R.F. Revue d’Études  Françaises No 10 (2005) [pdf file]


Dans La Nouvelle Revue Française, réorganisée en 1953 et se donnant, pour
quelque temps, le titre de Nouvelle Nouvelle Revue Française, les
« Chroniques » de Maurice Blanchot tiennent pendant longtemps – entre 1953
et le milieu des années soixante – une place déterminante. Parmi les multiples
aspects de la revue, elles représentent celui qui est le plus « philosophique », en
ce sens où elles créent délibérément un pont entre la littérature et les
préoccupations existentielles de l’homme, en entraînant le lecteur, par le biais
de la littérature, vers des expériences sans doute inscrites dans le quotidien,
mais représentées ici sous leur forme extrême : expérience du temps, de la
solitude, de la relation avec l’Autre, avant-goût de la mort. Franchir le pont
équivaut ainsi à emprunter un chemin de vertige, pour arriver à des alternatives
et à des paradoxes radicalement formulés – en somme, sur un terrain dangereux.

D’ores et déjà, il est clair que « chroniques » est une étiquette trompeuse
(elle est d’ailleurs remplacée quelquefois par « recherches ») : il s’agit d’essais,
qui devaient être partiellement repris et remodelés par la suite dans les volumes
d’essais que Blanchot publia dans les années 50 : L’espace littéraire (1955) et
Le livre à venir (1959). Ces écrits peuvent se rattacher à la chronique littéraire
par un trait : leur point de départ est souvent constitué par des réflexions sur un
ouvrage récent, développées ensuite dans le cadre d’une des problématiques
chères à l’essayiste. En dehors de sa prédilection pour certains thèmes, on
discerne facilement les préférences de Blanchot lecteur : dans son univers

littéraire, les places d’honneur reviennent à des écrivains conscients et
complexes, s’adonnant à de difficiles recherches formelles – Hölderlin,
Mallarmé, Kafka apparaîtront souvent comme des écrivants par excellence,
accablés précisément par la difficulté d’écrire.

La singularité des textes de Blanchot peut être saisie à deux niveaux, dont le
premier pourrait s’appeler le niveau thématique. Son penchant pour l’analyse
des expériences limites de la vie intérieure le conduit nécessairement vers des  profondeurs de plus en plus abstraites : le point précis qui est posé au départ –
un livre, un genre, une activité littéraire comme la traduction – est vite
développé, à l’aide d’un exercice d’introspection clairvoyant et impitoyable, en
une certaine approche de l’existence, qui n’aurait pas été possible sans le
truchement de la littérature, mais qui dépasse largement le problème littéraire
pour devenir une interrogation sur la condition humaine. Considérons, à titre
d’exemple, les pages qui s’intitulent Comment découvrir l’obscur1? et qui –
d’une certaine façon du moins – commentent L’improbable, un essai d’Yves
Bonnefoy sur la poésie.

Selon la citation qui fournit le point de départ et comme le prétexte du
raisonnement de Blanchot, Bonnefoy dédie son livre « à l’improbable, c’est-à-
dire à ce qui est [...]. À une poésie désirée, de pluies, d’attente et de vent ». Pour
l’instant, la thématique est familière : la poésie saisirait le concret, l’aléatoire,
l’improbable merveille de l’existence. L’improbable, dit Blanchot, est le point
de rencontre « entre la possibilité et l’impossibilité ». Et c’est à partir de là que
le commentateur se transforme en psychologue de l’expérience ontologique, en
opposant d’abord le possible (ce qui est en notre « pouvoir »2) à l’impossible –
domaine sur lequel nous ne pouvons rien, qui nous échappe radicalement, parce
que c’est le présent « immédiat » qui nous englobe entièrement et sur lequel
nous n’avons aucune prise. L’expérience du possible et de l’impossible
s’enrichit ainsi de la dimension temporelle : certes, « nous sommes cet être
dressé vers l’avenir, toujours en avance sur soi », mais le présent étant pour
nous à la fois fugitif et éternel, nous sommes aussi soumis à une sorte
d’immobilité fatale, un présent « sans fin, séparé de tout autre présent par un
infini inépuisable et vide », dont une figure fondamentale nous est offerte dans
la souffrance. La modification que subit ici la notion de temps aboutit donc à la
tentative de saisir l’insaisissable, de définir notre rapport avec cette « obscurité
», cette emprise étrangère qui ne se laisse pas éliminer de notre existence. Quel serait, selon cette argumentation, l’espace qui reste à l’homme conscient et
agissant ? On aura deviné que c’est l’art qui a ici droit au dernier mot, non
nécessairement consolateur, mais éclairant. Une réponse que peut donner la
poésie à cette douloureuse interrogation, c’est d’éterniser le désir qui englobe à
son tour ce qui nous a englobés. Blanchot cite René Char : « Le poème est
l’amour réalisé du désir demeuré désir. »

Si toute cette thématique est difficile à cerner et à situer dans le discours
littéraire et philosophique de l’époque, il est plus difficile encore de rendre
compte de l’« écriture » de Blanchot, qui constitue cependant un second niveau
de la singularité de ses textes, directement lié à sa conception du monde. Faire
découvrir les données de l’existence dans toute leur complexité, pourtant mises
en rapport avec des expériences concrètes à la portée de chacun, demandait un
langage abstrait et en apparence neutre, qui impressionne néanmoins par
l’équilibre classique des phrases et l’envergure des arcs tendus entre les points
éloignés du raisonnement. Les ultimes ressources de la langue sont exploitées
pour faire sentir le poids de l’apparemment léger et l’angoisse qui se dégage de
l’observation de notre condition. Pour revenir encore à l’angoissante
« impossibilité » de dépasser le présent et de nous arracher au temps, rappelons
une des formules qui condensent cette expérience : « présent qui ne passe pas,
l’indessaisissable qui ne donne lieu à aucune saisie, le trop présent dont l’accès
se refuse parce qu’il est toujours plus proche que toute approche, et se renverse
en absence, est alors le trop présent qui ne se présente pas, sans laisser rien où
l’on pourrait s’en absenter3. » Ne serait-ce que par la force des jeux
étymologiques, tous les vocables s’enrichissent de connotations nouvelles pour
nous rapprocher de nous-mêmes – et pour inquiéter. Et la même imagerie
abstraite, si l’on ose s’exprimer ainsi, pourra réapparaître à propos – ou plutôt
sous le prétexte – de questions d’histoire littéraire, comme dans Rimbaud et
l’œuvre finale où, au sujet de la chronologie relative des Illuminations et d’Une
saison en enfer, on trouve ceci : « la Saison, affirmation simultanée de toutes les
positions contradictoires, épreuve tenue de la contrariété la plus vive, est
l’expérience d’une pensée chassée et expulsée de son centre qu’elle découvre
être l’impossible et dont elle s’approche au plus près, précisément dans cet écart qui la repousse, dispersée, vers le dehors4. » On aura reconnu une métaphore
spatiale destinée, ici et ailleurs, à rendre sensible l’oscillation de la pensée entre
transitivité et réflexivité, entre l’objet-monde et l’objet-soi, le Dehors et le
Dedans.

Parmi toutes les expériences fascinantes qui ne quittent pas l’imagination de
Blanchot – le temps, la mort et cet être-là irrémédiable qui se concentre dans la
notion d’« immédiat » –, il y en a une qui manifeste cet immédiat de la façon la
plus palpable, en nous rendant prisonniers d’un univers particulier que nous
portons tout de même en nous : le langage. Sur lui non plus nous n’avons pas de
prise, car il n’offre pas de commencement, il est un flux ininterrompu qui
empêche de s’accrocher à un point de départ : on continue à parler sans avoir
commencé. Plus notre rapport avec le langage est conscient, plus nous nous
enfermons dans une altérité radicale. Dans l’essai qui ouvre sa série de
chroniques en 1953, La solitude essentielle5, Blanchot regarde ce rapport
conscient en face : il parlera du travail de l’écrivain. C’est l’écrivain qui
rencontre le langage le plus pleinement, le plus douloureusement aussi ; pour
lui, le langage servira d’habitation inquiétante ; par le langage, il sera confiné
dans une « solitude essentielle ». Sans doute reconnaissons-nous aisément l’un
des composants de cette angoisse qui enveloppe l’acte d’écrire : renoncer à la
« praxis » habituelle de la parole, « retirer le langage du cours du monde, le
dessaisir de ce qui fait de lui un pouvoir » constitue une entreprise dépaysante.
L’inquiétude est cependant plus profonde : sa vraie source est, pour ainsi dire,
l’appréhension du statut ontologique du langage. Qu’est-ce que cet ensemble de
connaissances virtuelles, ce tissu de procédés prescrits, ce vocabulaire, cette
grammaire que la société a déposés en nous et qui soudain se mettent à vivre
d’une vie autonome ? C’est l’écrivain qui parle : « je rends sensible, par une
médiation silencieuse, l’affirmation ininterrompue, le murmure géant sur lequel
le langage en s’ouvrant devient image, devient imaginaire, profondeur parlante,
plénitude qui est vide6. » On voit bien que lorsque Blanchot se propose de rendre compte de l’entreprise et de l’engagement d’écrire, il prolonge, certes, la
réflexion mallarméenne sur cette sorte d’absolu que représente la disposition
des formes linguistiques, mais il va plus loin pour élaborer, devant cet
« absolu », une prise de position absolue, dont la plénitude est réalisée par la
littérature7. Citons ici la dernière phrase de La solitude essentielle :

Écrire, c’est disposer le langage sous la fascination et, par lui, en lui, demeurer en contact avec le milieu absolu, là où la chose redevient image, où l’image,d’allusion à une figure, devient allusion à ce qui est sans figure et, de formedessinée sur l’absence, devient l’informe présence de cette absence, l’ouvertureopaque et vide sur ce qui est quand il n’y a plus de monde, quand il n’y a pasencore de monde.


Ainsi se trouve posée ici, sous le signe de la littérature, mais en dépassant
largement celle-ci, l’énigme du langage qui nous habite et que nous habitons –
dualité essentielle de l’intérieur et de l’extérieur que Saussure avait déjà
ressentie et que Maurice Blanchot transforme sous nos yeux en une
interrogation douloureuse et intransigeante.

Dans un roman d’une grande beauté, paru en cette même année de 1953,
retentit ce cri d’angoisse : « je suis en mots, je suis fait de mots, des mots des
autres8. » En accord avec son temps, dans un style à la fois abstrait et séduisant,
digne de la grande tradition de La Nouvelle Revue Française, Blanchot a su
formuler, par une série de paradoxes de plus en plus profonds, l’expérience de
la déchirure intérieure de l’individu – sujet de chroniques, sujet humain.




1 M. Blanchot, N.R.F., 1959/11, pp. 867-879.
2 Le raisonnement de Blanchot ne serait pas complet sans une référence à l'expérience limite que constitue la mort (elle est encore « pouvoir » en tant qu'avenir prévu et vécu : « Mourant, je puis encore mourir, voilà notre signe d'homme. »). « La mort est au cœur de l'écriture blanchotienne, et au cœur, pour Blanchot, de toute écriture » (Françoise Collin, Maurice   Blanchot et la question de l'écriture, Paris, Gallimard, 2e éd., 1986, p. 49).
3 M. Blanchot, N.R.F., 1959/11, p. 875.
4 M. Blanchot, N.R.F., 1961/8, p. 301.
5 M. Blanchot, N.R.F., 1953/1, pp. 75-90.
6 Plénitude et vide : comme l'a remarqué Georges Poulet, pour Blanchot, « la littérature est cette activité pour ainsi dire posthume, qui se donne pour tâche de conférer un sens à ce qui a cessé d'exister ; ou, ce qui, dans ce cas, revient au même, de faire cesser d'exister ce à quoi elle prétend conférer un sens » (« Maurice Blanchot critique et romancier », Critique, 1966/6, p. 487).
7 « L'œuvre n'est pas sa résonance intérieure, le pur repos où se baigner, se perdre, dans la béatitude, mais le déploiement incessant et sans cesse recommencé d'un langage » (Françoise Collin, ouvr. cité, p. 37).
8 Samuel Beckett, L'innommable, Éd. de Minuit, Coll. 10/18, p. 148.

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Antonio Negri: A Constituição do Comum

Apresentada por ocasião do II Seminário Internacional – Capitalismo Cognitivo: ‘Economia do Conhecimento e a Constituição do Comum’ – 24 de outubro de 2005

Meu discurso esta tarde se delimitará, fundamentalmente, em torno de quatro pontos. O primeiro é a diferença que existe entre o moderno e o pós-moderno. O segundo é a relação que se estabiliza no pós-moderno – ou melhor, no altermoderno, e que se constitui como algo novo derivado destes dois conceitos – entre singularidade e comum, tentando explicar como a singularidade e o comum anunciam elementos diversos na multidão e que mudam dentro de uma dinâmica continuamente construtiva. Em terceiro lugar, muito brevemente, tentaremos ver algumas conseqüências políticas ligadas a esta relação. Finalmente, em quarto lugar, refletiremos sobre o conceito de modernidade, o conceito de pósmodernidade e o conceito, sobretudo, de altermodernidade e de quanto este último pode permitir ampliar o conceito de comum e recuperar uma série de tradições de luta, de pensamento e, sobretudo, de consistência biopolítica que nos possibilitará a força para avançar na transformação deste mundo e na construção da democracia.

Em relação ao primeiro ponto, começamos pela diferença entre moderno e pós-moderno. Hoje é muito difícil, quando se fala de Ciência Política, não recorrer a uma nova terminologia. Quando nos referimos à terminologia política do moderno, e quando digo moderno me refiro ao pensamento que se desenvolveu entre 1500 e 1900, nos encontramos sempre frente a conceitos que são polêmicos: soberania, Estado-Nação, imperialismo ou colonialismo, cidadania, sujeito político. Interpretados da maneira nos quais foram definidos hoje significam muito pouco. A soberania era um conceito que tinha seu próprio caráter absoluto. O Estado-Nação soberano era um Estado que se supunha uma independência quase absoluta, já que tinha a capacidade de fazer a guerra, de cunhar moeda de maneira independente ou de construir cultura de maneira isolada. Hoje todos estes elementos são cada vez menos importantes. Vivemos dentro de um mundo global, dentro de um mundo no qual, com todas as diferenças, os processos de unificação e homogeneização adquirem cada vez mais importância.

E, neste contexto, o que me interessa extrair é o fato de que o sujeito político é diferente, porque se transforma pelos menos segundo três elementos. Em primeiro lugar, o sujeito político é transformado e implicado por uma nova forma de conhecimento e pelo fato de estar inserido dentro de um processo de trabalho que é cada vez mais cooperativo, o que converte este sujeito em um trabalhador intelectual e cooperativo. Os processos de valorização da produção hoje são dominados por este tipo de trabalhador e não há valorização efetiva senão desta maneira. O segundo elemento que caracteriza a modificação do sujeito consiste no fato de que ele é colocado em uma nova temporalidade. A temporalidade que conhecemos (pelo menos em meu caso que já sou bastante velho, que vivi a época do trabalho fordista, do trabalho taylorista) era caracterizada por uma extensão temporal da jornada de trabalho: se entrava às seis e se saía às duas da fábrica, depois havia o turno das duas da tarde às dez da noite e outro das dez à seis da manhã. A jornada de trabalho, como a das cidades de minha infância próximas de Veneza, era caracterizada assim, a rotina da vida passava pelas horas dos turnos dos trabalhadores. Hoje tudo mudou totalmente. Vivemos em um tempo unificado, disperso, no qual a jornada de trabalho clássica não é medida da temporalidade, já que esta medida desapareceu ou se modificou completamente. Além disso, vivemos em uma situação na qual o espaço também se alterou completamente. O espaço do trabalho, da atividade, se converteu em um espaço de inter-relações contínuas, o que se supõe uma dimensão ontológica diferente.

Portanto, dizemos que hoje a vida de trabalho se modificou porque já não se trata somente de uma vida de trabalho dirigida por algum ciclo de tempo e de espaço da produção. É uma vida que é regulada, ordenada de alguma forma, por uma espécie de imersão em um fluxo contínuo que chamamos de biopolítico. Por que é biopolítico? Porque implica efetivamente a vida, envolve formas de vida que são conseqüentes uma as outras, que estão ligadas uma as outras; porque a estrutura social e política entra como elemento absolutamente fundamental na vida de cada pessoa; porque já não é possível distinguir, como se fazia na velha tradição marxista, o valor de uso e o valor de troca; porque estamos totalmente dentro da capitalização e, portanto, da exploração da vida. Não existe um espaço natural no qual se refugiar, talvez no Brasil, mas seria um caso único no mundo. Para todos os outros seres humanos existe essa imersão nesse regime da vida, ou melhor dizendo, essa subsunção da sociedade e da totalidade do trabalho dentro do capital. É nessa subsunção total na relação ao qual – e aqui é justamente de onde surge o problema – se trata de entender o que é hoje a vida e de perguntarmos se existe, todavia, a existência e se existe, todavia, a possibilidade de que a vida suceda de maneira diferente. Este é o grande problema que é colocado pela diferença das relações entre o moderno e o pós-moderno. O moderno era um mundo que herdamos e superamos. Estamos vivendo em outra situação. Estamos imersos em outra vida, em outra água. Este é o contexto no qual nossa problemática deve ser proposta.
Quais são as categorias que nos permitem fazer uma leitura desta nova realidade? Dizemos que são as categorias de multidão, comum e de singularidade. Quando falamos de multidão falamos de um conjunto, mais do que uma soma, de singularidade cooperantes. A multidão pode ser definida como o conjunto de singularidades cooperantes que se apresentam como uma rede, uma network, um conjunto que define as singularidades em suas relações umas com as outras. Este fato levanta problemas e é preciso esclarecer que são essas singularidades que se movem desta maneira e que se colocam nesta relação. A primeira característica que aparece vem definida pelo fato de que não estamos aqui diante de individualidade e sim diante de singularidades. Individualidade significa algo que está inserido em uma realidade substancial, algo que tem uma alma, uma consistência, por separação em relação à totalidade, em relação ao conjunto. É algo que tem uma potência centrípeta. O conceito de indivíduo é de fato um conceito que é colocado a partir da transcendência em que relação não é algo entre eu, tu e ele, mas uma relação do indivíduo com uma realidade transcendente, absoluta, o que dá a essa persona a consistência de uma identidade irredutível. A multidão não é assim, vivemos com os outros, a multidão é o reconhecimento do outro. A singularidade é o homem que vive na relação com o outro, que se define na relação com o outro. Sem o outro ele não existe em si mesmo.
É a partir da singularidade que explica o comum. Busca o comum não significa buscar realidades pressupostas, o velho conceito de gemeinschaft, de comunidade profunda, o velho conceito de terra, natureza. Já são conhecidas as horríveis e perversas concepções que podem vir desta identidade. Sabe-se perfeitamente como, sobretudo em um país como o Brasil, funções, mais que conceitos, de poder e de raça se uniram profundamente para criar diferenças sociais que hoje se transformaram em hereditárias, pesadas, difíceis de superar e que supõem elementos que negam a democracia e a própria possibilidade da utopia. É contra estas coisas que existe este terreno teórico de interpretação e a cada terreno teórico de interpretação deve acompanhar uma capacidade de prática e de ação. Se consideramos que o mundo está feito de singularidades que consistem em relações e que, portanto, existem na medida que estão em relações, aumentamos nossa capacidade de ação. Antes o ministro falava de amor, vamos chamá-lo (o comum) de amor então, mas não é um amor no sentido romântico, não é um amor em um sentido, para assim dizer, vinculado simplesmente ao erotismo ou a coisas similares. É o amor como força ontológica. Como dizia Spinoza, diziam os filósofos, como ultimamente até declarou a Teologia da Libertação, uma das grandes produções teóricas deste país, este amor constitui o ser porque é um ato de solidariedade. Mas isto não é identitário, é algo que existe na relação, o que é absolutamente fundamental porque nos permite nos colocarmos em uma situação de efetiva abertura da discussão.
O que é realmente importante não é fazer discursos filosóficos, retóricos, como estou fazendo aqui agora, como muitas vezes fazemos, sobre o que já estamos todos convencidos e nos convencemos um pouco mais. O problema é outro. O problema é que detrás disto existe uma realidade real, por assim dizer (…). Na análise das condições fundamentais do trabalho informático, do trabalho intelectual aplicado às redes de telemática, encontramos as características de singularidade em uma relação que se convertem em reais e produtivas. e encontramos que a relação entre singularidade e cooperação se tornaram fundamentais.
Em uma discussão anterior, uma pessoa falava da experiência dos hackers. Queria retomar algumas coisas que foram ditas por esta pessoa e colocar assim alguns dos elementos importantes para a qualificação do que hoje é a condição geral da consciência do trabalho. Os hackers não são crackers, não são aqueles que simplesmente rompem, aqueles que produzem vírus ou entram nos sistemas, os hackers são verdadeiros operadores de redes. O que me interessa destacar são algumas características que estão relacionadas com a prática de seu trabalho e que formam parte de sua ética além de formar parte de seu trabalho. Penso que os hackers valorizam antes de tudo uma relação com o trabalho que não se baseia no dever e sim na paixão intelectual por uma determinada atividade, um entusiasmo que é alimentado pela referência a uma coletividade de iguais e reforçada pela questão da comunicação em rede. São vários os autores que explicam essa ética hacker e que insistem em pensar que o espírito hacker consiste na recusa das idéias de obediência, de sacrifício e de dever que sempre foram associadas à ética individualista, à ética protestante do trabalho. Os hackers substituem essa ética não de uma maneira egoísta, mas, ao contrário, por um novo valor que prega que o trabalho é mais alto quanto maior seja a paixão que esse trabalho desperte. Falamos de paixão, aderência, interesse e continuidade. Essa maneira de pensar o trabalho une, fundamentalmente e de maneira indissociável, o prazer intelectual a força pragmática e ao compromisso social. O modo de produção open-source, que é uma invenção dos hackers e que por sorte é exportável (pode ir mais além da prática mais estrita dos hackers, já que é um projeto que pode ser retomado por outros) se tornam imediatamente comunicativo. O software livre com código de fonte aberta (open source software) é um produto de colaboração voluntária, aberta e auto-organizada entre programadores que estão divididos pelo mundo inteiro e que estão ligados em rede produzindo programas abertos e modificáveis pelos usuários locais, que sempre se colocam como competentes iguais. Quando o Linux nasce é uma criação genial que é colocada em circulação. Esta paixão intelectual pelos problemas mais difíceis cria continuamente.

Eu sou espinozista, eu me declaro espinozista com prazer, e se queremos pensar nesse tipo de ética, encontramo-la inteiramente em Spinosa. A mentalidade hacker se desenvolve dentro desse ambiente informático, dessa maneira informática de conhecer, que é resultado da união da paixão, da imaginação e do intelecto. Essa atividade cria uma nova forma de razão que não é mais a raison abstrata – que perde essa função revolucionária fantástica -, mas que é razão que conecta imediatamente o saber, a prática, a imaginação, o social e a cooperação. Não se trata simplesmente, neste caso, de aprender a usar máquinas, apenas se trata, sobretudo, de fazer passar através dessas máquinas aquela construção social que é horizontal e sempre criativa. Veja bem, a interdependência nessas relações é absolutamente fundamental, não há verdade que não seja interdependente, que não esteja conectada, não nasça junto e, portanto, é o sentido comum dessa massa de ações a qual cria a consistência do trabalho hoje. Evidentemente, a informática também é uma coisa estrita em si, mas esse modo de trabalho não se define simplesmente porque trabalha através desse tipo de máquina, esse modo de trabalhar se torna cada vez mais necessário para viver, para produzir. Portanto, singularidade e cooperação se tornam fundamentais na construção de qualquer que seja o bem, a mercadoria e o produto.

Hoje o trabalho assim conduzido, neste regime, representa cada vez mais um excedente, isto é, essa atividade singular, inventiva e social, que é introduzida dentro do mecanismo de trabalho, é algo que não é consumido. A força de trabalho operário de oito horas acabou, se cerra. O trabalhador intelectual continua produzindo. É certo que dentro dessa continuidade existe uma possibilidade de exploração crescente que vai além das oito horas, mas o problema não está aí. O problema é que essa capacidade é uma espécie de independência irredutível à medida capitalista de exploração. Não é que o desenvolvimento capitalista hoje possa ser medido essencialmente por esse tipo de excedente, por esse tipo de nova energia construtiva que está em jogo. Não estamos ante a uma fórmula que explica os rumos das tentativas do capitalismo. Está claro que hoje a tentativa do capitalismo para dominar esse tipo de realidade passa pela financeirização internacional dos processos produtivos e pelas grandes forças globais de controle. É evidente que a chave está no próprio sistema, contudo, também é evidente que dentro desse tipo de controle há algo que falta: a capacidade de amarrar a potência do processo de singularização, do processo de invenção. Quando se fala de singularização, de invenção, se fala também, de maneira necessária e evidente, de resistência.

Não é certo que no desenvolvimento capitalista clássico, fordista, haja simplesmente reprodução dos processos produtivos. Todo o mundo que já trabalhou em uma fábrica, que fez trabalho de agitação em uma fábrica ou que protagonizou lutas em um sistema fordista sabe perfeitamente que sem a inteligência operária, sem o saber profissional, essas fábricas, com suas cadeiras de produção que parecem perfeitas, nunca teriam funcionado. Sempre era a capacidade operária de inventar e de aperfeiçoar as relações que fazia andar ou deter o processo de trabalho na fábrica. Mas hoje essa força de trabalho vivo é infinitamente mais caracterizada e se constitui como a força tendencial, como força ascendente. Encontramos essa capacidade de auto-valorização efetiva, open free source, na constituição das redes de forma independente e livre. Vejam bem, a Microsoft reagiu a este processo e aterrorizou criando um antagonismo interno, não externo. Mas contra isto se pergunta aos que trabalham com rede de forma independente e livre: contra quem lutas? Não luto contra nada, luto para construir minha realidade, estamos construindo esta realidade.

É evidente que agora temos todo o resto que fica fora, é o resto, contudo, não é irrelevante. A propriedade privada e a propriedade pública confrontam-se com as novas formas de propriedade flutuante em torno da rede em nível internacional e com a capacidade que as grandes empresas têm de criar seu mercado e de intervir nessa ordem mercantil e jurídicas que elas criaram com a força e a capacidade de garantir a ordem por meio das multas, penalidades, a exclusão etc. Aquelas formas de propriedade, quando no passado se viram diante da construção da sociedade por ações, ou seja, da divisão da propriedade em várias cotas que contribuíam para a ampliação do capital das empresas, abriram o caminho para falar de socialismo do capital. Hoje estamos diante de fenômenos como a enorme cúpula financeira, e é possível que tenhamos que falar de comunismo do capital. É um comunismo do capital que parte dos capitais mais vorazes, que recorrem, por exemplo, aos fundos de pensões e reúnem todo esse dinheiro em potências espantosas. Neste contexto, é evidente que estamos diante de uma ação coletiva e contínua de esmagamento e exploração dessa nova energia nas formas em que se expressa esse excedente generalizado. E no que se converteu o conceito de propriedade privada? Converteu-se em um obstáculo claro, preciso e contínuo à expressão deste excedente, à expressão do prazer de trabalhar. Foi isso no que converteu a propriedade privada. Também temos que estar muito atentos à propriedade pública cuja realidade não é muito melhor. A propriedade pública está sempre com o capital, necessita de capital.

Então, o que é a propriedade comum? A propriedade comum, do ponto de vista jurídico, é facílima de definir: é uma propriedade pública que, em lugar de ter patrões públicos ou donos públicos, é de sujeitos ativos naquele setor ou naquela realidade, é administrada por eles. A propriedade comum é esse ato, é essa atividade através da qual os sujeitos administram ou gerem, por exemplo, a rede de transportes urbanos porque a rede de transporte urbanos é deles, porque o comum se tornou ou é reconhecido como uma condição para a vida, uma condição biopolítica. O que significa, por exemplo, uma metrópole sem transporte? Nada. O transporte urbano, sobretudo nas grandes metrópoles, é o transporte que dá a dignidade, a possibilidade de circular rapidamente nesse espaço. No espaço da comunicação são a informática e a telemática as que possibilitam essa propriedade comum. A propriedade comum não passa simplesmente pelo Estado, passa pelo exercício que as singularidades fazem desse espaço comum, pela maneira de exercer esse espaço comum. Não depende de etapas no sentido de primeiro fazermos isto e depois fazermos aquilo, como durante tanto tempo ensinaram muitas dogmáticas socialistas (primeiro fazemos isso e depois aquilo e aquilo outro será possível depois de fazer aquela outra coisa). Não é verdade. Agora se trata é de pôr em movimento tudo a uma só vez. Portanto, para além da propriedade pública, a definição jurídica do comum é aquela que possibilita fazer atuar dentro do caráter público a construção de espaços comuns reais, que são estruturas comuns, e fazer atuar nesses espaços de vontade a decisão, o desejo e a capacidade de transformação das singularidades. Isto é uma das coisas que mais me condicionou na vida e que mais condicionou meu pensamento.

Eu fui conquistado por uma greve e Paris no inverno de 1995 para 1996. Era uma greve inicialmente de defesa corporativa do serviço público, dos empregados do metrô e dos transportes de superfície. Em pouquíssimo tempo se transformou em uma enorme luta que durou três meses, uma luta metropolitana para manter o serviço público, para proibir a privatização dos serviços públicos e para defender, de maneira geral, o que esse serviço representava para os cidadãos de Paris. O poder fez de tudo, claro, para intervir, incitando protestos de usuários e outras coisas que estão nos manuais de Ciência Política. Mas não conseguiram nada. Na neve, 8 milhões de parisienses se deslocavam com automóveis particulares, que paravam nos pontos de ônibus ou nas estações de metrô, abriam as portas e levavam quatro ou cinco pessoas até onde necessitavam ir. Isto se prolongou durante três meses e isto é a constituição do comum. É esta participação, esta capacidade de assumir pelas próprias mãos as condições biopolíticas da própria existência, do próprio modo de trabalhar. Esta é uma indicação que tem uma importância em minha experiência. É fundamental tirar as conseqüências disto, uma espécie de pequena filosofia do comum. Esse comum, como já disse, está fundamentalmente articulado, no sentido mais pleno da palavra, com o movimento e a comunicação das singularidades. Não existe um comum que possa ser referido simplesmente a elementos orgânicos ou a elementos identitários. O comum é sempre construído por um reconhecimento do outro, por uma relação com o outro que se desenvolve nessa realidade. Às vezes chamamos essa realidade de multidão porque quando se fala de multidão, de fato, se fala de toda uma série de elementos que objetivamente estão ali e que constituem o comum. Mas o problema é simplesmente ser comuns ou ser multidão, o problema é fazer multidão, construir multidão, construir comum, construir comumente, no comum. Este fato é cada vez mais fundamental.

O terceiro ponto a que me vou referir questiona quais são os temas políticos fundamentais que servem para esta introdução muito geral da constituição do comum. Alguns temas são absolutamente fundamentais. O primeiro deles é a crítica de uma de nossas mais queridas tradições: a tomada do poder. Creio que uma vez que estamos no terreno do comum necessitamos começar a pensar que não existe uma homologação possível entre o poder assim como ele é e aquilo que o comum é. O poder é uma unificação por cima constantemente restritiva, englobadora, mistificadora e destruitiva das singularidades e da capacidade de determinar a renovação através justamente dessa contínua construção singular do comum. Portanto, nos perguntamos como é possível imaginar um processo revolucionário que não esteja dirigido de maneira paranóica para a tomada de poder senão que esteja organizado de maneira criativa através de uma gestão do comum, de um exercício do comum. Dentro dessa perspectiva, creio que há indicações importantíssimas nestes últimos anos, sobretudo nos movimentos que nasceram em Seatlle e inclusive em algumas das grandes experiências dos zapatistas, entre outros. Assim encontramos ali de onde as forças de esquerda tomaram as estruturas, a idéia de considerar as estruturas de governo como um espaço aberto do qual se devem abrir continuamente pressões com o objetivo de transformar o governo em governança, mas não uma governança concebida como uma forma de administração atenta às diversidades e capaz de resolver ponto por ponto e de maneira paternalista ou funcional os problemas e sim como contradições abertas e que tem de continuar abertas. Hoje, esta relação entre movimentos e governos é algo que está em crise. Contudo, essa relação viveu momentos muito ilusórias de abertura e de idéias. Nestes casos, o problema não era tanto o da tomada do poder através da gestão do management, do comum, de uma valorização que se converte efetivamente na capacidade de incidir ou de influencia as redes administrativas, começando a abri-las, insistindo nessa abertura. Em minha opinião, esta é uma conseqüência da idéia do comum que começamos a elaborar e a maneira como muito provavelmente vamos conseguir determinar algumas aberturas novas.

Eu estou convencido de que o processo político alternativo, altermundista, está em dificuldades e que de agora em diante terá que enfrentar a novos problemas sociais vinculados às novas formas de trabalho, às conseqüências da precarização geral, às novas divisões sociais, ao aumento da miséria e da pobreza, etc. hoje já se está abrindo um novo ciclo social de lutas que terá, muito provavelmente, novas características e toda uma série de forças que, todavia, estão repetindo velhos dogmas e velhas ladainhas que, na prática, serão deixadas de lado. Porque o que interessa é isso, essa gestão, essa positividade da luta que corresponde a um novo prazer do trabalho. Portanto, creio que neste terreno encontraremos muitos espaços comuns de discussão.

Quero dizer uma última coisa para terminar. Creio que hoje, de fato, esta constituição do comum permite que nos aproximemos de uma nova construção, muito aberta, da razão, de uma razão biopolítica que vem do interior de uma nova realidade. Esta razão biopolítica, em minha opinião, supõe três coisas: antes de mais nada, esse reconhecimento fundamental de que não é mais possível um desenvolvimento canônico que não seja com base em uma apropriação social dos bens comuns; em segundo lugar, a dimensão biopolítica como tal dos corpos e não da ideologia, questão que se converteu em absolutamente prioritária; em terceiro lugar, que haja várias questões relativas à liberdade, etc, que são totalmente internas ao novo modo de trabalhar e que são mantidas e devem ser desenvolvidas.

O que mais me interessa destacar é o seguinte. Quando falamos desta realidade do comum e a vinculamos a nova realidade do trabalho estamos vivendo uma coisa sem dúvida original, nova, estamos registrando uma nova experiência. Contudo, se olharmos para trás na história, seja na história da filosofia ou do pensamento, seja na história das lutas dos povos e dos sujeitos contra o colonialismo, ou seja, em toda a história do socialismo revolucionário, encontramos sempre vivo um modelo de outra civilização, um modelo que não é utopia senão permanência de tradições, de forças, de constituições antropológicas reais. Este outro modelo, da época do moderno, podemo-lo ver, por exemplo, na filosofia. Não há dúvida de que o pensamento desde Maquiavel a Spinoza ou até Marx, em relação a todos os que elogiavam a transcendência e o poder absoluto do soberano, promoveu idéias de origem republicana e idéias de libertação fortíssima que sempre se renovaram e se mantiveram vivas a pesar de ser derrotadas. Podemos dizer que estas idéias constituem o pouco de bom que a democracia representa como ela é, não aquela que queremos, senão a democracia como forma de governo, aquela que é defendida pelo Sr. Bush., porque algo se pode salvar dela. O que me interessa são estas outras realidades, as realidades derrotadas ainda que sempre vivas ou sempre vencedoras a partir da perspectiva do pensamento. Podem pensar, por exemplo, quando falamos do comum, nas experiências formidáveis de resistência nos países coloniais, nos países colonizados, na América Latina, na Índia ou na China. São experiências fantásticas de comunidades que sempre viveram dentro da derrota, sob a repressão e que propunham continuamente modelos alternativos. Não são utopias, são estruturas antropológicas que encontramos nas mais diferentes formas de expressão e que tem uma importância enorme. Estas ideologias derrotadas, estas realidades esmagadas podem converter-se em elementos de construção do novo porque este novo é extraordinariamente semelhante à idéia de liberdade, de comum que existiu nesse passado. Pensem no socialismo, até ele viveu essa respiração tremenda entre a necessidade de ser Estado e o desejo de massas de liberação. Não há dúvida de que o desejo massivo de libertação foi derrotado e brutalizado na história deste último século, mas a idéia de comunista foi renovada pelas novas técnicas, pelos novos sentimentos, pelo desejo de valorização e desenvolvimento e, sobretudo, por nossa necessidade de viver felizes.

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Figures de Louis Althusser

Louis Althusser © Véronique Godard
 « Hors champs » rendra compte pendant toute une semaine de la figure intellectuelle que fut Louis Althusser et de son cheminement intérieur à travers des archives, des lectures et des témoignages. Louis Althusser, né en 1918 en Algérie, a été l’une des plus grandes figures intellectuelles de ce siècle, à travers sa relecture du marxisme, sa prise en charge de la psychanalyse par l’enseignement de Lacan qu’il accueillit à Normale supérieure et par ses qualités pédagogiques de plusieurs générations de philosophes dont il fut le « Caïman » et à qui il enseigna Hegel, Marx, Helvétius, Spinoza. Auteur notamment de Lire le Capital et de Idéologie et appareil idéologique d’Etat, il était aussi, depuis son adolescence, en proie à des crises de très graves mélancolie qui l’ont poursuivies jusqu’à l’assassinat de sa femme, Hélène Rytmann, en 1980. Déclaré dément par la justice, il passera les 10 prochaines années à tenter de comprendre ce qui s’est passé dans un livre intitulé L’avenir dure longtemps. L’IMEC nous a permis de découvrir les Lettres à Franca et, au mois de mai dernier, les Lettres à Hélène qui seront lues vendredi par Sami Frey.

Ce soir, Laure Adler reçoit Yann Moulier-Boutang, essayiste

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"L’avenir dure longtemps" , a dit Louis Althusser, aujourd’hui Toni Negri est reparti à sa conquête.

Mise en ligne septembre 1997
 
 
Toni Negri est retourné en Italie, à la prison de Rebibbia, le 1er Juillet 1997. Il espère accélérer la mise au point d’une solution à la situation politique créée par les « années de plomb » : il y a encore 200 prisonniers politiques en Italie et 180 exilés, la plupart concentrés en France. Avec ses amis de l’Autonomie ouvrière, et de tous les courants qui ont composé avec elle tout en s’en distinguant, il a anticipé la crise du travail que nous connaissons aujourd’hui. Ils se sont heurtés alors de façon radicale aux appareils syndicaux et politiques de gauche qui entendaient contenir les premiers signes de la crise dans les modes de résolution imaginés dans les années 60, lorsque l’heure était à la croissance et à l’augmentation quantitative de la production, à l’augmentation continue des salaires également. C’est vrai qu’ils étaient des empêcheurs de tourner en rond lorsqu’ils s’intéressaient aux « marginaux », aux précaires, à la nouvelle intellectualité de masse qui refusaient les formes très assujettissantes du travail industriel par rapport à la vie quotidienne.

Le génie de Toni Negri et de ses amis fut alors d’anticiper sur ce qui est devenu un article de foi des années 90 : c’est l’appartenance à une grande métropole, à un bassin d’emploi et de vie, où les entreprises puisent à leur convenance, qui qualifie le jeune travailleur postfordiste, qui le condamne à des moments de chômage mais qui lui permet aussi des moments de repli hors de la sphère du travail directement productif, dans un rapport autonome au travail comme oeuvre, comme activité subjective propre. L’autovalorisation de la capacité de travail s’oppose à sa soumission à la discipline d’usine ou de bureau. Certes l’autovalorisation peut profiter à l’entreprise si elle est l’occasion d’exclure d’autres travailleurs ; mais pratiquée collectivement elle est au contraire une menace directe au commandement de l’entreprise.

Ce qui est resté confus dans cette affirmation par l’Autonomie ouvrière de la naissance de l’« ouvrier social », c’est le rôle que devait jouer le pouvoir politique dans une telle transition, où les directions d’entreprises étaient radicalement remises en cause, mais où en aucun cas la nationalisation, la mise des entreprises sous tutelle de l’Etat, ne pouvait être une solution. Aucune des solutions politiques disponibles ne semblaient adéquates. Mais d’un autre côté les enjeux de la révolution politique esquissée semblaient trop limités aux rapports de travail. Nous doutions de la capacité réellement révolutionnaire de nos amis, et nous l’entravions donc objectivement, comme nous avions douté de la nôtre et l’avions jouée sur un plan surtout symbolique en mai 1968. Nous les soutenions cependant en invitant certains à témoigner dans des réunions, et, comme d’habitude, par de l’information et des publications tel le n°30 de la revue Recherches, paru en 1977 et intitulé Les untorelli, les porteurs de peste, pour reprendre le mot du secrétaire général du parti communiste italien Enrico Berlinguer.

De 1973 à 1977, en Italie, les manifestations se sont succédées dans les grandes villes, de plus en plus violentes, tant en paroles qu’en actions, comme s’il s’agissait de secouer - jusqu’à en faire tomber quelles noix ? - le cocotier du pouvoir en place et son annexe communiste.

Tandis que le PCI célébrait l’hégémonie de la classe ouvrière sur la société et sa traduction politique dans le « compromis historique » avec les « masses catholiques », l’Autonomie ouvrière avançait que ce qu’il y avait d’historique dans l’époque c’était le déclin politique et social de l’« ouvrier masse » et la naissance des nouveaux sujets productifs et politiques. C’est par de l’« idéologie du travail » que le P.C.I. s’est érigé en dernier bastion de la défense de l’existant (le compromis fordiste entre syndicats, patrons et Etat) et a balayé, avec des réflexes staliniens, tout ce qui bougeait à sa gauche, perdant ainsi toute capacité d’anticipation théorique et politique.

C’est une énergie à la fois désespérée et joyeuse qui s’est déployée alors contre tous les tenants de l’Etat existant, pour signaler l’existence d’un nouveau pouvoir constituant, émergeant dans les usines, dans les universités, dans les quartiers et n’attendant qu’une organisation politique pour le formaliser et lui donner le succès, ce que n’était capable de faire aucun des groupes qui accompagnait le mouvement de ses analyses et de ses pratiques d’agitation.

Le choix par le parti communiste du « compromis historique » a permis au gouvernement de faire preuve d’une grande férocité : 24000 militants ont été emprisonnés et 60000 ont été soumis à des procédures judiciaires. Quelques uns se sont engagés dans des actions terroristes et les lois d’exception ont permis de faire accuser de ce type d’actions n’importe qui parmi les militants de gauche déjà répertoriés, grâce à une clémence totale accordée aux dénonciateurs, appelés repentis. Ces accusations ont permis de faire prononcer des peines très lourdes. On a essayé de retourner un pays contre une partie de lui-même alors que cette partie minoritaire le questionnait centralement. On a réussi à créer une sorte de gêne mentale, une « dissociation », vis à vis des concepts et des militants de l’Autonomie ouvrière, qui semble perdurer au moment où il conviendrait de voir qu’il s’agit de faits et de pensées de plus de vingt ans qui ont forcément à être réévalués par rapport à une actualité dans laquelle beaucoup de leaders démocrates chrétiens de l’époque sont à leur tour poursuivis, où le parti communiste a cru nécessaire de changer de nom pour participer au gouvernement, mais surtout où une ouverture social-démocrate se dessine à l’échelle européenne, changeant les conditions du débat politique avec l’opinion publique d’extrême gauche. Une situation qui n’est d’ailleurs pas forcément plus facile pour cette dernière.

L’arrivée en France de Toni Negri et de ses amis italiens a été perçue au contraire dans un esprit d’accueil, d’association et d’intérêt pour une radicalité dont plus de dix ans après mai 1968 notre génération ne se sent plus capable. Les militants italiens ont été intégrés dans tous les rameaux de cette mouvance post soixante huit, au gré de leurs compétences et de leurs choix, sans unité autre que le réseau.

En France Toni Negri a pu poursuivre ses travaux sur le « pouvoir constituant », sur la formation et les effets de la rupture révolutionnaire. Il a participé aussi à des recherches pour des administrations publiques sur les transformations actuelles du travail dans la métropole parisienne, et dans certaines branches industrielles particulièrement sensibles.

L’anticipation politique de l’« ouvrier social », qui annonçait de nouvelles formes de coopération et de travail refusant la « discipline » de l’usine, a été enrichie et singularisée, au contact de la richesse des mouvements sociaux que la France a connu depuis la moitié des années des annés 80 ; et approfondie théoriquement à travers la contamination avec la philosophie post-structuraliste française de Foucault d’un côté et de Deleuze et de Guattari de l’autre.

L’exil a permis à Toni Negri de réinvestir ses réflexions dans des sphères à la marge du pouvoir, en tant qu’informations sur les évolutions sociales en cours, tout en poursuivant son élaboration théorique fondamentale. Il a pu vivre sur plusieurs pieds, développer une grande richesse de modes d’intervention. Mais l’action politique publique, qu’il ne peut avoir que dans son pays, lui restait interdite. Il subissait la mutilation de l’action propre aux exilés.

En animant un séminaire au Collège international de philosophie sur le travail, comme en coordonnant assez souvent les numéros de la revue Futur Antérieur, Toni Negri a posé un repère spécifique dans le débat intellectuel et politique, proche de tous les mouvements sociaux récents, polémique par rapport à toutes les invitations à l’endormissement du militantisme qui venaient des « intellectuels de gauche » proches des institutions dominantes et notamment de la revue Esprit. Il était un peu « archéo » ont dit certains ; nous dirions plutôt fidèle à la longue durée de la révolution.

Le départ de Toni Negri à Rome est un pari sur l’accélération qu’un homme peut donner au temps historique par sa seule décision individuelle. C’est en quelque sorte un prototype de l’acte politique. Le problème de l’acte politique c’est comment il est reçu, comment il est relayé, question qui est posée souvent a priori pour s’opposer et arrêter l’action. Pour les amis, la question est aujourd’hui : comment le suivre ?

Bibliographie de Toni Negri en français

Marx au delà de Marx, Christian Bourgois, 1979, réédition récente chez L’Harmattan.
L’anomalie sauvage. Puissance et pouvoir chez Spinoza, Presses universitaires de France, 1982.
Spinoza subversif, Variations inactuelles, Editions Kimé, 1994.
Le pouvoir constituant, Presses universitaires de France, 1997.
En collaboration avec Félix GUATTARI, Les nouveaux espaces de liberté, Dominique Bedou, 1985.
En collaboration avec Maurizio LAZZARATO et Yann MOULIER-BOUTANG, Le bassin de travail immatériel, L’Harmattan, 1996.
En collaboration avec Maurizio LAZZARATO, Giancarlo SANTILLI et Yann MOULIER-BOUTANG, Des entreprises pas comme les autres, Publisud, 1993.

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"All testing, all confirmation and disconfirmation of a hypothesis takes place already within a system. And this system is not a more or less arbitrary and doubtful point of departure for all our arguments; no it belongs to the essence of what we call an argument. The system is not so much the point of departure, as the element in which our arguments have their life."
- Wittgenstein

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"Le poète ne retient pas ce qu’il découvre ; l’ayant transcrit, le perd bientôt. En cela réside sa nouveauté, son infini et son péril"

René Char, La Bibliothèque est en feu (1956)


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